A detalhada denúncia por corrupção passiva e lavagem de dinheiro apresentada ao Supremo Tribunal Federal (STF) pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, no âmbito das investigações da Operação Lava Jato, mostra a que ponto a coisa pública foi contaminada pela falência moral do nosso sistema político e de seus agentes, estimulada pelo famigerado projeto de poder lulopetista.
Felizmente, este mesmo episódio é uma alentadora demonstração de que, às vezes aos trancos e barrancos, as instituições nacionais resistem sem maiores abalos aos assaltos de candidatos a autocrata e de simples bandidos, como deixaram claríssimo o mensalão e, agora, o petrolão.
No caso da denúncia contra o deputado Eduardo Cunha, é digno de registro o cuidado do Ministério Público Federal (MPF), que encaminhou ao STF uma peça acusatória bem fundamentada, com argumentos sólidos que se baseiam na delação premiada do ex-executivo Julio Camargo, da Toyo Setal, do operador do PMDB no esquema, Fernando Baiano, e do doleiro Alberto Youssef, mas também – e principalmente – numa ampla investigação, que inclui as movimentações financeiras do investigado.
Eduardo Cunha é acusado de corrupção passiva por ter exigido e recebido propina de US$ 5 milhões de fornecedores da Petrobrás e também de lavagem de dinheiro, por ter tentado ocultar e disfarçar o recebimento dos valores da propina no exterior, em contas de empresas offshore e de fachada e até mesmo de igrejas.
O presidente da Câmara reagiu à denúncia com a reiteração dos argumentos de que se trata de uma armação do governo para desestabilizá-lo, e de que, com a cumplicidade de Rodrigo Janot, ele teria sido “escolhido para ser investigado”. Cunha alega ainda que a presidente da República teria proposto ao Senado a recondução de Janot à PGR “na tentativa de calar e retaliar” sua atuação.
A partir do momento em que assumiu, contra o desejo do Planalto, a presidência da Câmara, Eduardo Cunha desenvolveu um projeto político pessoal, adotando uma atitude de franca oposição ao governo, que radicalizou quando ficou claro que era um dos alvos da Lava Jato.
A pretexto de reforçar a independência do Congresso como poder da República, revertendo a subserviência aos interesses do Palácio do Planalto que marcaram os dois mandatos do presidente Lula, Cunha solapou deliberadamente outro pilar da relação democrática entre Executivo e Legislativo: a harmonia, que pressupõe o entendimento em torno dos interesses nacionais. E com isso agravou a crise política, piorando a debacle econômica provocada pela incompetência e teimosia ideológica do governo do PT.
Cunha usou despudoradamente a ameaça de abertura de um processo de impeachment contra Dilma Rousseff. Tem sido, desde então, um obstáculo intransponível à busca de soluções para as duas crises. Agravou a crise econômica, dificultando a tramitação do ajuste fiscal e facilitando a aprovação de projetos dispendiosos. E agravou a crise política, ampliando as forças de oposição ao governo, mas com o cuidado de não romper o impasse. Agora, com a denúncia do procurador-geral, sabe-se o que se suspeitava: que Eduardo Cunha teve um importante papel na crise moral que se abateu sobre a política, os negócios e a administração pública. Sua perniciosidade é notável.
A mal dissimulada sede de poder com que Eduardo Cunha tem atropelado o já conturbado cenário político não faz bem nenhum ao País, seja porque, na Câmara, só tem atrapalhado o desempenho de um governo que por natureza já é incompetente, seja porque mina a credibilidade de qualquer tentativa séria de pôr um fim prematuro, usando os meios constitucionais, ao despautério que tem sido o governo Dilma. Pois tudo o que Eduardo Cunha quer é livrar-se de uma acusação de desonestidade altamente comprometedora.
A denúncia do procurador-geral será agora examinada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal. Os ministros da Corte sabem que começarão a julgar não o destino de um homem, mas um estilo de fazer política que transformou a desonestidade em qualidade essencial para progredir em empresas públicas e privadas e na administração pública.
Sabem, principalmente, o que deles a Nação espera.
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