• Desgaste aumentou depois de apelo do vice para ‘alguém’ unir o país
• Decisão de deixar a articulação política foi precipitada pelo comportamento da presidente, que assumiu atribuições da função
O vice-presidente Michel Temer decidiu deixar a articulação política do governo. O desgaste da relação com a presidente Dilma está por trás da decisão. Há quatro meses acumulando as funções de vice e de articulador, Temer incomodou a presidente e ministros do PT ao declarar, há duas semanas, que “alguém” precisava unir o país. Desde então, Dilma passou a mediar conflitos com aliados e a conversar com empresários. Temer vem se sentindo desautorizado com a mudança de conduta da petista. “Ele foi muito maltratado”, sintetizou o ex-ministro Moreira Franco (PMDB).
Em rota de colisão
• Após perceber que Dilma esvaziou suas atribuições, Temer deixará articulação política do governo
BRASÍLIA e SÃO PAULO - Sem ambiente para continuar na articulação política do governo, o vice-presidente Michel Temer prepara sua saída da função, depois de passar a ser desautorizado e perceber que a presidente Dilma Rousseff tomou para si o controle das negociações. O clima entre Temer e Dilma é de estranhamento desde que, no auge da crise política, há duas semanas, o vice declarou que “alguém” precisava unir o país. Ministros petistas consideraram que o peemedebista estava conspirando contra a presidente para assumir seu mandato.
Apesar das explicações de Temer, que afirma que seu objetivo foi apenas pedir responsabilidade à Câmara, Dilma passou a esvaziar o papel do vice na articulação política e a tentar ocupar seu espaço. O pretexto para que Temer deixe o cargo sem que dê conotação de crise é que ele já entregou o que prometeu: a aprovação dos projetos do ajuste fiscal no Congresso. O último projeto, que aumenta impostos de empresas, foi aprovado quarta pelo Senado.
— O ajuste acabou, a missão acabou, e a confiança acabou — resume um peemedebista da cúpula do partido e próximo de Temer.
Ao colunista do GLOBO Ilimar Franco, que noticiou ontem a saída de Temer da articulação, o ex-ministro Moreira Franco disse que a decisão foi tomada pelo próprio vice:
— A decisão foi dele. Não sei. Falo sinceramente. Ele foi muito maltratado. O cristal foi quebrado — disse Moreira.
Ontem, Temer teve encontro reservado com o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDBRJ), em seu escritório de São Paulo, a pedido de Cunha. O assunto conversado ficou em segredo. Cunha e Temer confirmaram o encontro, mas não quiseram fazer comentários. O escritório tem servido de quartel-general do PMDB e da Vice-Presidência.
Depois do mal-estar gerado com a declaração de seu vice, Dilma pediu que os ministros petistas também entrassem na articulação política para ocupar o espaço sob o comando de Temer e do ministro Eliseu Padilha (Aviação Civil), também do PMDB. O passo seguinte foi deixar de prestigiar Temer e assumir para si, por exemplo, a tarefa de resolver conflitos entre aliados por cargos federais e conversar com empresários.
Pessoas próximas a Temer afirmam que a repercussão positiva, principalmente entre o empresariado, do alerta sobre a gravidade da crise feito pelo vice provocou uma “ciumeira” em Dilma e nos ministros petistas.
“Até feijoada do Maluf”
A partir daí, tudo virou motivo de incômodo de parte a parte. Temer não gostou, por exemplo, de Dilma ter ido ao almoço de aniversário do ministro Gilberto Kassab (Cidades), que reuniu deputados do PSD na quarta-feira. A presidente não costuma ir a esse tipo de confraternização. Tanto que Kassab foi avisado de que Dilma compareceria com apenas 40 minutos de antecedência.
— Daqui a pouco ela vai até a feijoada do (Paulo) Maluf — ironizou pessoa próxima ao vice.
No mesmo dia, pela manhã, Temer reuniu no Jaburu 44 empresários ligados à Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp). O grupo defendia índices lineares de aumento dos impostos, em vez de beneficiar só poucos setores. O vice afirmou que, se conseguissem acordo no Congresso, o governo não se oporia. Mas Joaquim Levy (Fazenda) desautorizou o acerto feito por Temer.
Os ministros petistas não confiam em Temer nem em Padilha, e querem afastá-los da articulação política, mas receiam que isso signifique, na prática, um desembarque do PMDB. Assim, adotam o discurso de que o vice passaria a cuidar da “macropolítica”, deixando o varejo das negociações de cargos federais e liberação de emendas.
No último dia 3, Temer ficou melindrado por Dilma não ter feito nenhuma deferência a ele em jantar com líderes da Câmara e do Senado, além de presidentes de partidos. Dilma costumava elogiá-lo nessas ocasiões e agradecer por seu trabalho na articulação política. O vice ficou irritado com insinuações de petistas de que estava gestando um golpe contra Dilma.
Representantes do Judiciário convidados para jantar no Alvorada no último dia 11 afirmaram que Dilma deixou transparecer distanciamento em relação a Temer. Alguns convidados ficaram com a impressão de falta de entrosamento entre os dois. No Congresso, a avaliação é a mesma. Os parlamentares acham que Temer está “sem brilho” na função de articulador.
Um aliado do vice diz que a quebra de confiança é mútua, e que Temer está “psicologicamente fora da articulação”. Quando o vice sairá formalmente do cargo, ainda não se sabe. Temer já falou internamente que isso se dará em setembro. No entanto, em decorrência da denúncia do Ministério Público contra Eduardo Cunha, vem sendo aconselhado a esperar um pouco mais.
Sua saída levará automaticamente a reposicionamento do PMDB no Congresso. As bancadas de Câmara e Senado foram fiéis a Temer na votação do ajuste fiscal, mas, desde a reeleição, sistematicamente, dão dor de cabeça a Dilma. Em novembro, está marcado congresso nacional do PMDB, e Cunha vem defendendo que o partido decida por saída formal do governo. (Colaboraram Cristiane Jungblut e Julianna Granjeia)
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