Por Diego Viana – Valor Econômico / Eu & Fim de Semana
As manifestações de domingo têm sido avaliadas pela quantidade de pessoas que foram às ruas, mas o cientista político José Álvaro Moisés, da Universidade de São Paulo, considera que é muito mais importante a consolidação de um pólo de oposição ativa ao governo federal. Concentrada na classe média, a participação nesses eventos representa a mobilização de uma camada da população capaz de pautar opiniões.
Ao mesmo tempo, e agora com base em pesquisas que conduz na universidade, Moisés manifesta preocupação com a crise generalizada dos partidos brasileiros, incapazes de dialogar com a população e rejeitados por grande número de eleitores.
Valor: Há diferenças entre a manifestação do dia 16 e as do primeiro semestre?
José Álvaro Moisés: As da semana passada deram um foco maior sobre o impeachment, criticando os governos de Dilma e Lula pelo envolvimento do PT com corrupção. O que a manifestação de domingo evidencia é que há um polo muito importante que segue em posição de protesto ativo contra o governo. Uma oposição de natureza diferente daquela que se realiza no Parlamento, mas que permeia segmentos importantes da sociedade. Percorri toda a avenida Paulista no domingo, para observar o tipo de camada social que estava ali. Era a classe média, mas muita gente da baixa classe média. Eu não diria que tinha gente da periferia, mas consolidou-se um polo de oposição ativa muito forte, com diferentes segmentos da classe média. Isso não alivia em nada a situação do Planalto.
Valor: O foco mais claro aumenta a eficácia do movimento?
Moisés: Isso está em disputa. Alguns dados sugerem que houve mais gente se manifestando no dia 16 do que em abril. Outros sugerem que foi menos do que em abril. Mas o peso das manifestações independe do tamanho. Pela terceira vez no primeiro ano de mandato [de Dilma Rousseff], houve grandes manifestações contrárias ao governo, que está em crise também na relação com o Congresso e, em todas as pesquisas de opinião, está em posição extremamente frágil. Não acho que o Planalto se saiu melhor por causa do número menor de pessoas. Vemos a reiteração de uma crítica contundente por um segmento importante do eleitorado. A classe média, além de segmento intermediário entre a base e a cúpula da pirâmide social, é constituída de formadores de opinião.
Valor: A rejeição aos partidos em geral também aparece com força nos dados sobre as manifestações. Sem vínculo partidário, como se canaliza a insatisfação?
Moisés: Os partidos brasileiros vivem seu pior momento desde a redemocratização. O índice de desconfiança está muito alto. Nas pesquisas que conduzo, de 2006 a 2014 o percentual de desconfiança com os partidos supera 80%. Quando perguntamos se a democracia pode funcionar sem os partidos, a resposta positiva saltou de 30% para 45%. É uma coisa grave. E não vejo os líderes partidários enfrentando a questão. Os partidos não estão definindo respostas para a opinião pública, para recuperar a importância que os partidos tiveram na redemocratização. Os eleitores estão distantes dos partidos e os partidos se mantêm distantes dos eleitores.
Valor: Que consequências pode ter a descrença com os partidos?
Moisés: Se os partidos não canalizam a insatisfação, há um hiato importante. Em algumas situações históricas, esses hiatos acabaram servindo a aventuras antidemocráticas. Já tivemos a experiência do caçador de marajás. Aliás, uma das características daquela experiência é que não existia um partido quando Fernando Collor se lançou candidato. Um partido teve que ser montado em seis meses. Circunstâncias dessa natureza podem se prestar a aventuras que muito raramente têm sentido democrático.
Valor: Por que o PSDB, principal partido contrário ao governo, não consegue ser o polo aglutinador da oposição?
Moisés: O PSDB está num percurso errático. Uma hora quer o impeachment, outra hora quer convocar novas eleições, fora das regras constitucionais, outra hora a bancada na Câmara dos Deputados aprova projetos que aumentam os gastos públicos num contexto de ajuste fiscal, contrariando a posição programática. O PSDB não consegue oferecer uma linha clara e isso dispersa a opinião pública. Tenho ouvido muitas dúvidas sobre o papel do PSDB, que teria potencial para constituir-se em polo central das oposições. Tem potencial de apoio eleitoral e tem potencial de presença na Câmara e no Senado, tem potencial de presença em alguns Estados importantes.
Valor: A "Agenda Brasil" traz alguma tranquilidade ao governo?
Moisés: Repetindo o que acontece na história do Brasil, fez-se um acordo de elites. Como demonstram as manifestações, esse acordo está em conflito com uma parte importante da opinião pública. Um tema muito forte das manifestações é a crítica à posição da presidente na campanha eleitoral, quando ela deu uma imagem falsa da situação econômica, como estamos vendo hoje com a inflação e o desemprego. Todo esse cenário foi apresentado de maneira rósea. Ouvi isso de muita gente na manifestação: "Eles mentiram para nós". Mas é inegável que a mudança da conjuntura na última quinzena aliviou a situação de Dilma.
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