- Folha de S. Paulo
Para que se possa entender o que se passa no Brasil, política e economicamente, creio ser necessário levar em conta o tipo de populismo que aqui se implantou, a partir do governo Lula, e se agravou com o governo Dilma.
O populismo não é uma novidade, nem aqui nem em outros países latino-americanos, mas, de algumas décadas para cá, implantou-se em alguns deles um tipo especial de populismo que, para distingui-lo do anterior, costumo chamá-lo de "populismo de esquerda".
Claro que de esquerda mesmo ele não é. Trata-se, na verdade, de uma esperteza ideológica que manipulou as aspirações revolucionárias, surgidas na região a partir da Revolução Cubana, após a década de 1960. Essas aventuras guerrilheiras contribuíram involuntariamente para as ditaduras militares que se espalharam pelo continente. O fim dessas ditaduras, por sua vez, abriu caminho para esse novo populismo, que se apresentou como o oposto dos regimes militares, anticomunistas por definição.
Sucede que o final daquelas ditaduras coincidiu com a derrocada dos regimes comunistas, tornando anacrônica a pregação do revolucionarismo marxista. Em seu lugar, inventou-se o socialismo bolivariano, um dos nomes desse populismo, que já não pregava a ditadura do proletariado e, sim, o resgate da pobreza por meio de programas assistencialistas. Não fala mais em revolução, porque se trata agora de uma aliança com parte do empresariado que só tem a lucrar com o assistencialismo oficial. Está aí a origem das licitações fajutas, dos contratos de gaveta, fontes de propinas bilionárias.
E claro que esse populismo tem particularidades específicas nos diferentes países onde se implantou. Na Argentina, por exemplo, tem raízes em certa ala do peronismo, enquanto na Venezuela inclui até as Forças Armadas. Já no Brasil, tendo como figura central um operário metalúrgico, esse populismo contou com o apoio de centrais sindicais e de parte da intelectualidade de esquerda, que ainda sonhava com um regime proletário.
Além disso, em cada um deles, adota procedimentos específicos de modo a ajustar-se às condições econômicas e sociais para alcançar seus objetivos. Não obstante, todos eles têm um mesmo propósito: usar o poder político –a máquina do Estado– para garantir o apoio dos setores menos favorecidos da sociedade e se manter para sempre no poder. Na Venezuela e na Bolívia, os governos populistas lograram mudar a Constituição do país para se reelegerem indefinidamente. No Brasil, como isso não seria possível, o populismo investiu pesadamente nos programas assistencialistas e num modelo econômico inviável que conduziu o país à situação crítica em que se encontra hoje.
A ascensão do populismo, como sucessor dos governos militares –e seu contrário–, conquistou a confiança de grande parte da opinião pública, inclusive por oferecer melhoria de vida a setores mais pobres da população. No Brasil, por exemplo, sobretudo no primeiro governo Lula, essa melhoria veio consubstanciar a sua popularidade, possibilitando sua própria reeleição e a eleição de sua sucessora.
Não obstante, também aqui o populismo, esgotadas as qualidades, caminha para encerrar sua aventura. Na Argentina, ao que tudo indica, isso já começou a acontecer com a derrota do kirchnerismo, que também empurrou o país para o impasse econômico, por contrariar as necessidades objetivas do contexto sócio-econômico. Aliás, um elemento comum a todos esses regimes é o antiamericanismo, que só contribuiu para agravar a situação deles. No mesmo caminho seguiu a Venezuela que, com a derrota recente de Maduro, começa a fazer água. No Brasil, Lula e Dilma têm seu discurso abafado pelas paneladas e, enquanto isso, Cuba estende a mão aos norte-americanos.
Não resta dúvida, portanto, de que vivemos o fim de uma etapa da história latino-americana, que coincide, em escala internacional, com o esgotamento da utopia socialista, iniciada na Revolução Russa de 1917. Se isso, por um lado, significou a sobrevivência do regime democrático na maioria dos países, por outro exige que reinventemos o futuro.
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