segunda-feira, 11 de janeiro de 2016

Crise atual já rebaixou 3,7 milhões da classe C

Por Camilla Veras Mota – Valor Econômico

SÃO PAULO - O aumento do desemprego e a queda de renda dos brasileiros já mostra impacto na mobilidade social no país. Pelo menos 3,7 milhões de pessoas deixaram a classe C e voltaram para as classes D e E entre janeiro e novembro do ano passado. Estudo da economista Ana Maria Barufi, do Bradesco, com base nos dados de renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios, indica que a participação da classe C na pirâmide social brasileira caiu dois pontos percentuais nesse período, passando de 56,6% para 54,6%.

Apesar disso, essa camada ainda tem o maior contingente de brasileiros, com 103,6 milhões de pessoas. Compõem esse grupo indivíduos de famílias com renda mensal entre R$ 1.646 e R$ 6.585. Na classe D estão famílias com renda de R$ 995 a R$ 1.646 e na E, de até R$ 995.

Diante do cenário de aprofundamento do desemprego, a economista não vê perspectiva de reversão da tendência. As recessões afetam mais as classes mais baixas, já que as vagas que demandam menor qualificação são as primeiras a serem cortadas. Assim, é provável que a classe C volte a ter menos de 50% do total da população, patamar de 2010.

"O nível de consumo atrofiado sinaliza que a mobilidade para baixo está em curso", afirma o economista Altamiro Carvalho, da FecomercioSP. Pesquisa feita em setembro pela entidade mostrou que 1,2 milhão de famílias caíram de classe social na primeira metade de 2015. "De lá para cá, o ritmo de queda da renda só aumentou e os preços subiram ainda mais".

Mauricio Prado, do instituto Plano CDE, afirma, porém, que as conquistas sociais dos últimos dez anos forjaram uma classe C "menos vulnerável", que deve reagir a esta crise de uma forma diferente. Parte dos bens de consumo adquiridos nos últimos anos, por exemplo, serão usados para gerar renda extra. Pesquisa feita pela consultoria no ano passado com 120 famílias apontou que 40% delas usavam os eletrodomésticos com essa finalidade.

Crise devolve quase 4 milhões às classes D e E
O aumento do desemprego e a queda nos rendimentos dos brasileiros já mostram efeito sobre o processo de mobilidade social em curso no país de meados de 2004 até 2014. A economista do Bradesco Ana Maria Barufi, com base nos dados de renda da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) e da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), calcula que, entre janeiro e novembro do ano passado, a participação da classe C na pirâmide social brasileira caiu dois pontos percentuais, passando de 56,6% para 54,6%. Com 3,7 milhões de pessoas a menos, o grupo passou a somar 103,6 milhões.

Uma parcela dessa queda alimentou as classes D e E, cuja participação avançou de 16,1% para 18,9% e de 15,5% para 16,1% no período. Com o agravamento e o alongamento da crise, não está descartada a possibilidade de a classe C voltar a responder por menos de 50% do total da população do país - nível semelhante ao registrado em 2010.

O levantamento tem como base os cortes de renda estabelecidos pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), atualizados para valores de 2015. Assim, a classe C compreende as famílias com renda mensal entre R$ 1.646 e R$ 6.585, a classe D, de R$ 995 a R$ 1.646 e a classe E, até R$ 995. A distribuição percentual das faixas, por sua vez, é feita sobre a média móvel em 12 meses do contingente populacional.

"O problema é que não se vê reversão dessa tendência [no curto prazo]", afirma Ana Maria, ressaltando o cenário de aprofundamento do desemprego esperado para 2016. As recessões afetam mais rapidamente e de forma mais intensa as classes mais baixas, ela pondera, já que as vagas que demandam menor qualificação são as primeiras a serem cortadas em períodos de ajuste.

No caso do Brasil, a inflação mais alta, superior a 10% no acumulado em 12 meses, é um agravante nesse sentido, pois penaliza mais essa fatia da população, que tem parte expressiva do orçamento doméstico comprometida com gastos básicos - alimentação, energia e transporte. Dentro desse panorama, avalia a economista, é bastante provável que a desigualdade de renda aumente no país nos próximos anos - movimento que ainda não aparece nos dados oficiais mais recentes, da Pnad de 2014.

"O nível de consumo atrofiado sinaliza que essa mobilidade 'para baixo' está em curso", concorda o assessor econômico da FecomercioSP, Altamiro Carvalho. Pesquisa feita em setembro pela entidade com base nos dados de inflação e da Pesquisa de Orçamento Familiar (POF) mostrou que 1,2 milhão de famílias caíram de classe social na primeira metade de 2015. "De lá para cá, o ritmo de queda da renda só aumentou e os preços subiram ainda mais".

Para Mauricio Prado, sócio-diretor do instituto Plano CDE, dedicado a pesquisas relacionadas à base da pirâmide, a classe C não deve sofrer grande variação numérica até o fim deste período recessivo. Seu perfil, entretanto, tende a mudar nos próximos anos, ele diz, diante da expectativa de que parte das famílias volte às classes D e E e que uma fatia das faixas de mais alta renda compensem parte dessa migração, passando à classe C.

As conquistas sociais dos últimos dez anos, ele defende, forjaram uma classe C "menos vulnerável", que deve reagir a esta crise de uma forma diferente às anteriores. Parte dos bens de consumo adquiridos nos últimos anos, por exemplo, devem ser usados como geradores de renda extra. Um pesquisa feita pela consultoria no ano passado com 120 famílias apontou que 40% delas usavam os eletrodomésticos com esse fim.

O maior acesso à internet, por sua vez, pode virar um instrumento mais eficiente para fazer pesquisas de preço ou para se comunicar com os clientes. "A classe C também está mais escolarizada", completa.

Os cortes que essa população fará no orçamento, por sua vez, serão baseados em uma "decisão de 'trade off' mais sofisticada". As pesquisas mais recentes da Plano CDE mostram, por exemplo, que muitas famílias preferiram abrir mão de itens do supermercado a cancelar o plano de internet. "Os serviços passam a competir com os bens de consumo", acrescenta.

Perda de 'colchão social' deve piorar quadro
Parte do "colchão" fornecido pelo sistema de proteção social, que retarda os impactos da retração da economia sobre a população, deve minguar neste ano com a continuidade do processo de perda de vagas com carteira assinada iniciado em 2015. Depois de cortar quase 2 milhões de postos no ano passado, o mercado formal deve promover mais de 1 milhão de demissões em 2016, conforme as estimativas mais recentes.

"Uma parcela importante das melhorias sociais observadas depois dos anos 2000 decorreu do aumento da formalização", destaca a economista Ana Maria Barufi, do Bradesco. Conforme os dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), esse processo já foi interrompido em 2014, quando a proporção de trabalhadores formais - com acesso, portanto, desde a instrumentos como seguro-desemprego, abono salarial e FGTS a benefícios indiretos como crédito consignado - passou de 58% para 57,7%.

Apesar da piora expressiva observada no mercado de trabalho, no entanto, a economista afirma que o aumento do desemprego não deve ser severo o suficiente para levar o nível de formalização a patamares anteriores ao registrado em 2004, quando 45,7% dos trabalhadores empregados no país tinham carteira assinada.

Ainda assim, diante da redução do alcance do sistema de proteção social, ressalta, a proposta de corte no programa Bolsa Família aventada pelo relator do Orçamento deste ano é "absurda". "O corte seria inócuo em termos fiscais e o impacto social é enorme", emenda.

A renda das aposentadorias deve continuar tendo peso importante para amortecer as perdas salariais, acrescenta Bruno Campos, da LCA Consultores. No ano passado, ela conseguiu compensar a queda, mantendo a renda per capita positiva em 0,1%, conforme as estimativas da instituição para a Pnad Contínua.

"Em 2016, contudo, o cenário deve se reverter", ele avalia. A combinação da contração de 0,7% dos salários e queda de 1,8% da ocupação terá forte impacto na massa de renda total, que não deverá ser completamente absorvida pelo crescimento da renda previdenciária - levando a massa a encolher 0,9%. Ainda com base na Pnad Contínua, o desemprego médio deve saltar de 8,6% para 11,7%, estima a LCA.

O Bradesco calcula que as aposentadorias e pensões respondem por 34,2% e 37,9% da massa de rendimentos das classes D e E, nessa ordem, contra 19,9% na classe C e 15,6% na classe A.


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