- O Globo
Banqueiros, empresários e economistas que foram este ano para Davos embarcaram como se saíssem de um país morituro. Pareciam com os que iam para a montanha gelada da ficção de Thomas Mann. Estavam cientes de que ouviriam diagnósticos ruins, projeções terminais, receitas de remédios amargos, e tinham noção de que a recuperação da saúde leva tempo e exige sorte.
Eles viajaram sem esperanças e um pouco constrangidos. Além do quadro clínico do Brasil, alguns temiam ter que explicar o destino de brasileiros bem conhecidos no Fórum Econômico Mundial, como André Esteves e, de certa forma, Marcelo Odebrecht. A melhor maneira de enfrentar o descrédito do mundo em relação à capacidade brasileira é pensar numa montanha com suas subidas e descidas. É da vida, e dos acidentes geográficos, os altos e baixos.
Ninguém foi para Davos este ano enganado sobre o estado de saúde do Brasil. Ninguém desembarcou naquelas montanhas, míticas para os amantes da literatura, como o fez o personagem Hans Castorp: ignorando seu próprio estado, achando que tinha uma leve anemia e que estava apenas de visita a um primo no sanatório. Sabemos que o país enfrenta um dos piores conjuntos de males da história recente, uma soma de fraquezas que torna o tratamento um quebra-cabeças, porque o remédio para um sintoma agrava o outro, o que combate um problema piora outras fragilidades.
A estadia em Davos não será longa a ponto de permitir o encontro com as verdades universais e as reflexões que relativizam o tempo. O paralelo literário, portanto, se esgota porque o mundo das finanças é curto demais, excessivamente nervoso, e não permite pensamentos mais profundos. Mas, para quem se constrange em explicar a situação do Brasil, recomenda-se a inversão do olhar.
Em vez de país que prende banqueiro e empresário, por criminalizar a riqueza, como advogam alguns, é o país onde suspeitos são investigados e culpados são atingidos pelo rigor da lei, independentemente de sua condição social. Em vez de país onde há muita corrupção, é aquele em que as instituições estão combatendo o crime e atingindo pessoas que antes eram consideradas inatingíveis. Em vez de economia na qual a inflação voltou a subir, uma população que puniu com a queda da popularidade o governo que permitiu a alta dos preços. A inversão do olhar talvez fosse o que sugeriria o provocador Settembrini. Só para contrariar o consenso.
Todos chegavam ao Sanatório de Davos com os mesmos sintomas e recebiam a mesma receita de tratamento. Hoje, os países chegam ao Fórum Econômico com diferentes enfermidades, mas recebem invariavelmente a mesma receita. Chame-se o país Grécia, Irlanda, Espanha, Venezuela ou Brasil. No Sanatório, pequenos sinais de melhora não eram considerados prova de cura porque, sabiamente, os médicos entendiam que a jornada da busca da saúde é longa e sinuosa. Hoje, alterações de hábitos, ou novos propósitos, produzem euforia como se o paciente, por milagre, tivesse vencido todas as fraquezas. Em 2016, está sendo assim com a Argentina.
A tuberculose era um mal universal para o qual o mundo do início do século XX não tinha o trio de antibióticos que o venceu e o colocou no rol das doenças sob o controle dos médicos. A crise fiscal é um mal presente em inúmeros países e para o qual os economistas prescrevem um único tratamento, genericamente conhecido pelo nome de “ajuste”. Para enfrentar de fato o problema, é preciso entender de complexidades e nuances. O Brasil é diferente da Grécia, está em melhor situação que a Argentina, não fez o esforço da Irlanda. Os países são diferentes e suas histórias construíram nós fiscais diversos. A crise provocada por gastos além das receitas exige dos economistas a ousadia dos cientistas que encontram formas novas de tratar doenças. O que desanima é a mesmice dos diagnósticos e prescrições.
Os que voltam de Davos chegam ainda mais encabulados do que foram. De novo, a proposta é a inversão do olhar. Quando éramos vistos com euforia, em 2009 — o “país que decolou” da “Economist” —, eles ignoravam nossos defeitos e riscos. Agora, fazem pouco das virtudes e chances. As informações que temos são mais exatas que as voláteis impressões dos viajantes de Davos. Como na ‘Montanha Mágica’, de Mann, pacientes recebem diagnósticos ruins e receitas amargas Os encabulados devem inverter o olhar e procurar prescrições que saiam da mesmice
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