- Folha de S. Paulo
Em qualquer ajuste econômico, pobre sempre paga relativamente mais do que rico. E isso não é por maldade ou falta de espírito público dos formuladores das políticas econômicas. É porque os ricos têm gordura pra queimar.
Outra dificuldade de ajustes econômicos é que eles geram custos no curto prazo e ganhos no longo.
O Estado de Bem-Estar Social -seguro-desemprego, programa Bolsa Família etc.- consegue minorar a tendência das economias de mercado de concentrar maior parcela dos custos do ajustamento econômico sobre os mais pobres, mas não consegue reverter.
A maneira de impedir que rico consiga se defender melhor do ajuste do que os pobres seria acabar com as desigualdades, o que requer impedir que os mecanismos de mercado de oferta e demanda operem, além de fortes restrições à liberdade individual. Não é por outro motivo que governos de extrema-esquerda, quando se defrontam com esse dilema, escolhem acabar com o mercado.
Por exemplo, a Venezuela enfrenta o ajuste a que foi forçada pela queda do preço do petróleo regulando o acesso das pessoas aos bens e serviços. Há um complexo sistema de controle de preços, sobre os vendedores, e de cotas individuais, sobre os consumidores, para que todos, independentemente da renda, consigam ter acesso aos bens de primeira necessidade.
Como argumentei na semana passada em um contexto totalmente distinto: "A dificuldade é que esse tipo de regulação tem muitos efeitos colaterais: o controle de preços reduz o incentivo aos produtores, e o controle de quantidade sobre os consumidores produz mercado paralelo muito ineficiente. Esse tipo de regulação somente funciona em sociedades em guerra, que possam punir exemplarmente o desvio -em geral, com julgamentos sumários e pena de morte- e que aceitem com muita facilidade o erro jurídico, isto é, matar um inocente".
Dados os custos de ajustes macroeconômicos, entende-se a resistência. Os professores da FGV-Rio Pedro Ferreira e Renato Fragelli, em artigo no "Valor Econômico", na quarta-feira passada (20), nos lembram que:
"A historia econômica registra várias experiências fracassadas de adiamento do combate à inflação, no intuito de promover o crescimento de curto prazo. Em 1963, quando as medidas anti-inflacionárias adotadas pelo Plano Trienal começaram a gerar um inevitável desaquecimento, João Goulart concedeu reajustes para o salário mínimo e aos servidores, inviabilizando o plano de Celso Furtado. A inflação retomou sua trajetória ascendente, enquanto o PIB tomou o rumo descendente.
Em agosto de 1979, ao substituir o ministro [Mário Henrique] Simonsen, [Antonio] Delfim Netto tentou retomar o crescimento, a despeito da pressão inflacionária decorrente do segundo choque do petróleo. A aventura dobrou o nível de inflação, tendo sido revertida após um ano com catastróficos resultados sobre o PIB a partir de 1981. Em 1986, após substituir o ministro [Francisco] Dornelles, [Dilson] Funaro adotou medidas expansivas. Seis meses depois, quando a inflação mensal atingiu 14%, lançou o Plano Cruzado, que fracassou em menos de um ano".
Poderia adicionar os exemplos recentes da Argentina e da Venezuela, respectivamente com inflação anual na casa de 30% e 200%. No entanto, adiar o ajuste é ainda pior para os pobres. Basta olhar os números da Argentina e da Venezuela e para nossa experiência histórica.
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