Mario Cesar Carvalho – Folha S. Paulo
SÃO PAULO - A situação era de desespero. Marcelo Odebrecht já alimentara a esperança de passar o Natal em casa, mas seu pedido de liberdade fora negado pela Justiça.
O executivo da quarta maior empresa brasileira acreditava que, finalmente, seria libertado pelo presidente do Supremo, Ricardo Lewandowski, no começo de janeiro, mas a estratégia falhara novamente.
Preso há sete meses, estava ensandecido com sua defesa, chamada de incompetente por ele. O que fazer?
Uma carta criticando a Operação Lava Jato, assinada por dezenas, talvez por mais de uma centena de advogados, sugeriu o defensor de Marcelo, Nabor Bulhões, segundo a Folha apurou junto a dez dos 104 advogados que assinam o manifesto.
Foi a defesa de Marcelo Odebrecht, a cargo de Bulhões, que produziu o manifesto que acusa a Lava Jato de usar métodos piores que os da ditadura e compara a investigação à Inquisição.
A carta, revelada pela Folha no último dia 14, ensejou duras respostas de procuradores e juízes, que a acusaram de ser "falatório" e parte de um "complô" dos advogados. O presidente do PT, Rui Falcão, soltou uma nota apoiando-a.
Nabor disse à Folha que assinou a carta como profissional do direito, não como advogado de Marcelo.
Segundo ele, atribuir protagonismo a algum advogado pela elaboração do documento "seria ignorar o sentimento geral de perplexidade" dos que o assinaram.
A estratégia para abalar a Lava Jato teve também a participação de Emílio Odebrecht, pai de Marcelo, de Mônica, mulher do executivo, e advogados da empresa.
A ideia de criticar os métodos da Lava Jato foi acertada entre Nabor e Emílio em Salvador, onde o patriarca dos Odebrecht mora.
A reunião ocorreu logo após Lewandowski negar pedido de liberdade para Marcelo durante o plantão do Supremo, no dia 8 de janeiro.
A Odebrecht confirma que a reunião ocorreu, mas, segundo a companhia, foi para tratar da fase final do processo de Marcelo.
O texto foi escrito no escritório de Bulhões em Brasília e submetido à cúpula da Odebrecht para aprovação.
Emílio fez mais do que cobrar uma reação mais dura dos advogados.
Foi ele, por exemplo, quem ligou para advogados que estavam relutantes em assinar o documento quando surgiu a versão de que o texto fora escrito por Antonio Carlos de Almeida Castro, o Kakay, que defende políticos como o senador Edison Lobão (PMDB-MA) na Lava Jato.
A relutância se devia ao fato de muitos advogados acharem que o documento era peça publicitária de Kakay.
Nenhum dos dez advogados ouvidos pela Folha diz ter pago um centavo para publicar o anúncio de meia página, veiculado nos principais jornais do país.
Assinaria de novo
Kakay confirmou que não foi ele que escreveu o manifesto, mas afirma que assinaria de novo mesmo sabendo que a Odebrecht estava por trás das críticas.
"Eu não sei quem patrocinou a carta. Eu mudaria algumas coisas com as quais não concordo. Acho que não faz sentido falar em ditadura quando estamos num Estado democrático. Se foi estratégia da Odebrecht ou não, o que não sei, isso não muda em nada o manifesto. O que interessa são as ideias", afirma.
Segundo ele, o essencial era levantar a discussão sobre "os limites da Justiça", e isso ocorreu. "Não tenho a pretensão de mudar a opinião pública ou publicada. Mas até a Dilma se manifestou sobre a Lava Jato após a carta".
Antonio Claudio Mariz de Oliveira, que defende funcionários da Odebrecht sob investigação, diz que assinou a carta porque ela traduz o que ele pensa sobre o que considera abusos da operação.
"Assinei porque temos de fazer alertas. A pior ditadura que existe é a do Judiciário. Tenho dúvidas se o manifesto vai ajudar a situação processual do Marcelo e de outros executivos da Odebrecht, mas é preciso protestar não só nos autos, mas para a sociedade".
Lênio Streck, advogado em Porto Alegre e professor de direito que também endossou o manifesto, diz que é irrelevante saber se foi a Odebrecht quem patrocinou a crítica. "Isso não muda em nada a carta. Nas democracias, todas organizações têm direito de comunicar pontos de vista".
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