• "O PSDB não é beneficiário do impeachment, ao contrário. O PSDB sabe que o apoio ao governo de transição trará desgaste"
• "Eu não cobraria de um governo transitório aquilo que deve ser feito por um governo legitimamente eleito"
Por César Felício – Valor Econômico
BRASÍLIA - O presidente nacional do PSDB, senador Aécio Neves (MG), deixa claro as condicionantes que o partido colocará para apoiar um eventual governo do vice-presidente Michel Temer, caso avance o processo de impeachment que a presidente Dilma Rousseff enfrenta na Câmara. Na visão do tucano, Temer assumirá com um déficit de legitimidade, por substituir um governo eleito pelo voto. E neste sentido, ganha sustentabilidade caso se comprometa com uma agenda de reformas que envolva tanto a oposição como o empresariado.
O PSDB não impedirá a participação no governo de filiados à sigla, o que pode abrir caminho para a presença do senador José Serra (SP) na Esplanada dos Ministérios, mas, se o correligionário e potencial rival nas eleições presidenciais for escolhido, não estará junto a Temer em representação do partido, mas em caráter individual.
Outra condicionante estará no comando do Legislativo. Incomoda ao PSDB a concentração de poder que o PMDB terá, na hipótese de acumular a Presidência da República com a das duas Casas legislativas. Neste sentido, sugere que o substituto do presidente da Câmara, Eduardo Cunha (RJ), seja de outra legenda.
Em caso de vitória de Dilma na votação do impeachment, o senador crê que o processo pela cassação da chapa eleitoral Dilma/Temer no TSE ganhará impulso, alimentado por fatos novos trazidos pelas delações premiadas em curso e pelo agravamento da crise econômica.
O senador, que é citado em duas delações como envolvido em irregularidades, demonstra tranquilidade em relação a uma possível abertura de inquérito contra si no âmbito da Operação Lava-Jato. E atribui a queda nas intenções de voto que teve nas últimas pesquisas para eleições presidenciais ao ambiente radicalizado das manifestações que estaria fomentando candidaturas da "antipolítica". É um clima, na opinião do senador, que tende a refluir naturalmente. A seguir, trechos da entrevista:
• Valor: Esta nova fase da Operação Lava-Jato, com a prisão do ex-senador Gim Argello, afeta de que maneira o processo do impeachment?
Aécio Neves: Eu acho que esta é uma questão lateral. O que está alimentando o impeachment é o próprio governo e os seus equívocos. Ouço muito líderes do PT, gente da base da presidente, culpando a oposição e as manifestações pelo clima de instabilidade, mas se hoje a presidente corre risco é por responsabilidade exclusiva dela. Ela está empenhada em preservar um único emprego no país, o seu. Ela sozinha jogou pela janela o ativo essencial, insubstituível, que é a credibilidade. Eu não sou dos mais radicais oposicionistas e concedo que um terço da crise que estamos vivendo provém do desaquecimento externo. Mas a grande parte se deve ao que passamos no país. Uma queda do PIB de 10% em três anos é cenário de país em guerra. É claro que toda esta instabilidade, acrescida da Operação Lava-Jato, afeta muito mais o governo do que afetaria em um cenário de razoável instabilidade econômica.
• Valor: O senhor acha que o processo de impeachment será aprovado?
Aécio: Acho. Nos últimos dois meses se formou um consenso, entre setores que vinham anteriormente apoiando em parte ao governo. Grandes empresários beneficiados por um conjunto de ações do governo nos últimos tempos e grandes grupos de comunicação que preferiam uma solução menos conflituosa e radicalizada confluíram para a sensação de que Dilma não tem mais condições de liderar. A permanência dela será mais danosa do que sua saída, com todas as implicações que isto envolve.
• Valor: O que acontece em um cenário de vitória do governo no domingo?
Aécio: Com os métodos que o governo está utilizando, pode significar a maior das derrotas dela até aqui. Ela não readquirirá confiança. Governo sem credibilidade não é governo. Haverá um vácuo que precisará ser preenchido de alguma forma.
• Valor: De que forma?
Aécio: Haverá um holofote muito grande sobre o TSE, sobretudo pelas denúncias que vem chegando e que ainda vão chegar. Nós do PSDB sempre acreditamos que uma nova eleição seria o melhor caminho, mas não tem saída sem traumas. Uma nova eleição daria legitimidade, mas o problema é que não dominamos o tempo desta solução. Esta solução tanto pode ocorrer em 6 meses quanto em 18 meses. E o Brasil requer urgência.
• Valor: E nessa hipótese, de seis meses a um ano e meio, o mais provável é que a eleição presidencial em caso de vacância do vice se desse em 2017, por meio de votação indireta do Congresso.
Aécio: É o que nos parece. Esta é uma das razões claras pelas quais nós, do PSDB, estamos fazendo a opção por outra saída. O PSDB não é beneficiário do impeachment, ao contrário. O PSDB sabe que o apoio ao governo de transição trará desgaste ao partido. Mas uma mudança do governo é uma necessidade do Brasil. Dilma não garante as condições de continuar o mandato, porque a economia vai continuar paralisada e ninguém vai botar um real no país. A qualificação do governo tende a piorar. E a saída constitucional que se coloca no horizonte é o TSE. Será uma decorrência natural.
• Valor: E o cenário com Temer? Ele não tem problemas graves de legitimidade?
Aécio: Um cenário com Michel será um cenário com dificuldades, porque será um governo que não tem a legitimidade do voto, mas com condições de conseguir apoio para uma agenda. Ele deverá ser apoiado para se fazer uma transição e terá as mínimas condições para uma distensão. Veja bem, todas as saídas são muito difíceis. Vai depender muito dele ser alguém com compromisso com uma agenda.
Acho que a gente pode construir um apoio para um governo de aspecto transitório. Uma agenda capitaneada pelo Temer vai depender da coragem que ele tenha de encabeçar esta agenda, mas não tira do PSDB o seu compromisso de apresentar para o país uma proposta eleitoral. Não abdicamos do nosso projeto de poder. Vamos dar sustentação política para o governo Temer desde que refaça o que precisa ser feito, construa essa linha. Temer já mostrou disposição de colher inspiração no que já apresentamos ao país.
• Valor: E de que agenda mínima necessária para o país estamos falando?
Aécio: Uma reforma política que recria cláusula de barreira, estabeleça voto distrital misto e proíba coligações proporcionais. Até para que no futuro possamos falar de parlamentarismo. Hoje, com as regras atuais, falar disso é uma bobagem. Temos que ter coragem de modernizar a legislação trabalhista, para garantir emprego. Temos que investir fortemente na profissionalização das agências reguladoras, dos fundos de pensão e das estatais. E a simplificação do sistema tributária e a discussão da questão previdenciária. Isto é o que tem que estar dentro da moldura.
• Valor: E mudar a regra para o salário mínimo, tanto do reajuste quanto da vinculação com o piso da Previdência?
Aécio: Este não é um tema que devamos discutir agora. Temos que sinalizar para uma virada de página, para mudar as expectativas. Agora, eu não cobraria de um governo transitório aquilo que deve ser feito por um governo legitimamente eleito. Nestes dois anos e pouco, temos que utilizar os nossos esforços em quatro ou cinco questões. Temos que compreender o Michel como uma transitoriedade e ele tem que deixar claro isso desde o início e se dispor a conduzir essa agenda, porque se não, não tem sentido o apoio do PSDB.
• Valor: E a questão eleitoral em 2018? Temer não pode concorrer?
Aécio: Ele é elegível, mas estabeleceu que ele próprio se disporia a apresentar uma emenda encerrando a reeleição. Ele não tem a intenção de concorrer, mas apresentar esta emenda seria uma sinalização que ele daria. Porque acabar com a reeleição não pode ser o projeto de um partido. O primeiro item da conversa dele comigo foi esse. Ele sabe que está tendo uma oportunidade, ou terá eventualmente, se não continuar vazando muitos discursos daqui até o dia da votação... ele terá uma oportunidade que a história está lhe dando.
• Valor: E se ele continuar vazando gravações e escrevendo cartas?
Aécio: Não foi bom o que aconteceu, acho que foi uma bobagem, algo que não contribui em nada para a própria imagem, mas acho que isso não tem alteração significativa na contabilidade dos votos. O estilo Itamar Franco de cautela seria melhor.
• Valor: A presença de Eduardo Cunha na presidência da Câmara, provavelmente até o fim do ano, não colocaria um problema para 2017? teríamos o PMDB na Presidência da República e das duas casas legislativas...
Aécio: Olha, se eu conheço Temer, digo que ele fará questão de não interferir no processo sucessório da Câmara, não vai incorrer no erro primário de Dilma de tentar construir uma candidatura lá. Eu acho que é possível ter uma candidatura fora dos grandes partidos, para que tenhamos uma situação que não interessa ao Temer. Não interessa a ele transformar sua Presidência em um instrumento de fortalecimento do PMDB em detrimento das outras forças políticas. Pode interessar a alguém no PMDB, mas não interessará a ele, porque ele não governa sem o apoio das outras forças. O PSDB não dará a ele apenas votos para os projetos, dará a ele credibilidade, o PSDB dialoga com vários segmentos da sociedade. Ele, pelo que conheço, terá toda cautela para entender que a própria Presidência dele será um fator de força do partido. Eu não acho que ele se esforçará para criar um desequilíbrio com os outros partidos aliados.
• Valor: E como está a discussão sobre o apoio a um governo Temer no PSDB? O PSDB, além de não pleitear cargos, pode proibir seus integrantes de ocupar cargos?
Aécio: Falo como presidente do partido. O governo Temer não deve ser compartimentado entre partidos políticos e a contribuição que o PSDB pode dar a ele é deixa-lo livre e ajuda-lo a aprovar uma agenda. Se eventualmente algum quadro do PSDB for chamado, isto se dará em caráter individual.
• Valor: O senhor foi citado no contexto da Operação Lava-Jato por mais de um delator. O senhor vê excessos na operação?
Aécio: As alegações contra mim beiram o ridículo. No caso do senador Delcídio do Amaral (sem partido-MS) se trata de uma vingançazinha pessoal pelo meu comportamento no momento da prisão dele. Ninguém teve a vida pessoal virada pelo avesso como eu tive, na campanha eleitoral, com acusações semanais. Estou preparado para isso.
• Valor: Mas o arcabouço legal da operação deve ser mudado? Há projetos neste sentido...
Aécio: Não sou especialista na matéria. Tudo que se faz no calor da hora terá sempre uma leitura tendenciosa. Eu acho que alguns cuidados precisam ocorrer. Há uma tentação de misturar coisas que não são iguais. Penso que as delações devem vir acompanhadas de um mínimo de indícios que as comprovem. O nosso papel, contudo, é o de apoiar as instituições. Equívocos e exageros serão corrigidos naturalmente.
• Valor: As pesquisas de intenção de voto de dezembro para cá mostram uma queda forte do senhor, da ordem de dez pontos percentuais de intenção de voto para presidente, e uma subida muito forte do Jair Bolsonaro (PSC-RJ). De que forma o senhor lê estes movimentos?
Aécio: Olha, as pesquisas são divergentes e estamos discutindo índices de candidatos de uma eleição que ninguém sabe quando ocorrerá. Mas está claro que há uma perda da política tradicional, com tudo isso que está acontecendo no Brasil. A própria Marina Silva (Rede) está sendo afetada. O Bolsonaro representa agora, de forma clara, um espectro mais à direita da sociedade que não estava representado. Mas não tenha dúvidas: o PSDB, no momento em que as eleições se apresentarem, é que terá condições de polarizar com o PT, como aconteceu nas outras eleições.
• Valor: Ou seja, a antipolítica ficará restrita?
Aécio: O espaço maior será sempre da política. Estamos vivendo uma quadra de muito radicalismo, contaminado pela Operação Lava-Jato, e estes fatores tenderão a ser superados no futuro. A questão essencial é quem tem proposta para a crise. Quem tem solução. Não é uma pessoa que tem isso, é um partido. O radicalismo está exacerbado e tende a arrefecer.
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