- Blog do Noblat / O Globo
Tão desonesta e falaciosa quanto a tese de que o processo de impeachment contra Dilma Rousseff configuraria um “golpe” é a afirmação de que todos os grupos que se opõem ao desgoverno lulopetista seriam conservadores, reacionários e representariam correntes de pensamento situadas mais à direita no espectro político-ideológico.
É natural que, em um universo no qual nove de cada dez brasileiros rejeitam o atual governo e mais de 70% da população deseja o afastamento da presidente da República, se façam presentes forças políticas mais conservadoras, o que é legítimo e próprio da democracia. Entretanto, ao contrário do que quer fazer crer o PT em mais uma tentativa de confundir a opinião pública, a luta democrática e constitucional pelo impeachment abrange também uma parcela significativa da esquerda que jamais se enxovalhou com a corrupção deslavada dos governos de Lula e Dilma.
Os dois mais tradicionais partidos da esquerda brasileira, o PPS (legítimo sucessor do Partido Comunista Brasileiro) e o PSB, são os principais exemplos de que grande parte do campo progressista defende o impedimento de Dilma como condição essencial para o país superar a crise e retomar o caminho do desenvolvimento. O alinhamento entre PSB e PPS em torno do impeachment nos remete a inúmeros capítulos marcantes da história brasileira em que as duas legendas estiveram lado a lado. A “Frente do Recife”, movimento que uniu socialistas e comunistas e serviu como grande inspiração no início de nossas vidas políticas, foi hegemônica em Pernambuco da redemocratização de 1946 até o golpe militar de 1964, repercutindo nacionalmente entre as forças democráticas de esquerda.
Após o golpe, os dois grupos se integraram às trincheiras do Movimento Democrático Brasileiro (MDB), em oposição à ditadura militar que perduraria por mais de 20 anos. A parceria se repetiu em outros momentos fundamentais como a luta pela anistia, a campanha das Diretas Já, a eleição de Tancredo Neves pelo Colégio Eleitoral, o voto favorável à Constituinte, o impeachment de Fernando Collor e, especialmente, o apoio ao governo do presidente Itamar Franco. Nas eleições de 2014, PSB e PPS estiveram juntos novamente defendendo a candidatura do saudoso Eduardo Campos à Presidência da República.
Além da emblemática união entre os dois partidos, o impeachment de Dilma é abraçado por nomes importantes da esquerda democrática e da social-democracia, entre os quais Fernando Gabeira, Cristovam Buarque, Ferreira Gullar, José Serra, Fernando Henrique Cardoso, Marina Silva e seu partido, a Rede Sustentabilidade, e também o PV, com toda a sua representatividade no campo progressista. Registro ainda o meu reconhecimento pessoal a duas jovens e promissoras lideranças do PSB que vêm se manifestando de forma firme e corajosa em defesa do impedimento: o prefeito do Recife, Geraldo Julio, e o governador de Pernambuco, Paulo Câmara.
Ressalte-se, por fim, o posicionamento de setores cada vez mais expressivos do PMDB que votarão pelo impeachment – honrando a tradição democrática e de independência do velho MBD de Ulysses Guimarães –, simbolizados na figura exemplar do deputado Jarbas Vasconcelos.
É importante ter a consciência de que caberá a esse conjunto de forças políticas dar sustentação e apoio ao governo que emergirá após o provável impeachment de Dilma, assim como ocorreu em 1992. Não podemos repetir o equívoco histórico do PT, que participou ativamente do impedimento de Collor, mas se recusou a integrar o governo de transição conduzido por Itamar. Uma eventual nova gestão terá o desafio de levar a cabo uma série de reformas estruturantes que não podem mais ser adiadas e, para tanto, precisará da contribuição de todos aqueles verdadeiramente comprometidos com o país.
Na histórica votação que deve ocorrer no próximo domingo, a esquerda democrática caminhará unida pelo fim de um governo que desmoralizou as forças progressistas por todo o desmantelo, a desesperança e a irresponsabilidade. Existe uma esquerda decente, digna, honrada e genuinamente preocupada com os rumos do Brasil. Norteados pelos mesmos princípios que nos uniram em tantos momentos, votaremos em consonância com o desejo da sociedade, seguindo a Constituição e respeitando a democracia, e escreveremos mais uma bela página de nossa história de lutas em comum. Impeachment já!
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Roberto Freire é deputado federal por São Paulo e presidente nacional do PPS
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