terça-feira, 26 de abril de 2016

Afinal, quem será a base de Temer? - Leandra Peres

• Apoio parlamentar não reflete governo de "união nacional"

- Valor Econômico

O ex-ministro Delfim Netto esteve na semana passada com o vice-presidente e deixou o encontro dizendo que Michel Temer tem a avaliação correta: não faltam talentos ou diagnósticos, mas governo e organização política. Colocada de forma mais direta, e sem a habitual fleuma do ex-ministro, a declaração de Delfim resume o fantasma que ronda o eventual governo comandado pelo PMDB: o vice conseguirá apoio no Congresso para aprovar as medidas necessárias para reanimar a economia?

Temer conseguiu demonstrar força na votação do impeachment na Câmara dos Deputados. Os 367 votos a favor da continuidade do processo de afastamento da presidente Dilma Rousseff foram um sinal consistente. Mas nem mesmo os mais próximos ao vice acham que isso expressa a base de apoio parlamentar que um novo governo teria. No plenário da Câmara, o jogo era afastar ou não uma presidente cuja popularidade não passa de 10% desde junho de 2015. Não se julgou ali a disposição dos deputados em aumentar a idade de aposentadoria às vésperas da eleição municipal ou os inevitáveis aumentos de impostos - apenas para citar duas medidas que são hoje consenso para sair da barafunda econômica e que dependem inteiramente do Congresso.

É razoável supor que o PMDB - mesmo dividido e com a pouca vontade do presidente do Senado Renan Calheiros para trabalhar por um governo Temer - acabará se agregando diante da força maior que exerce o poder presidencial. Há também pouca dúvida hoje de que o Democratas, com uma bancada de 29 deputados e na oposição, assim como os partidos nanicos, mais 31 votos, e o PTB de Roberto Jefferson, 19 deputados integrarão um novo governo. Mas as certezas acabam aí.

A base parlamentar que vem se desenhando nas negociações da transição continua gravitando com peso desproporcional na direção dos partidos do chamado centro. PP, PR, PRB, PSD somam hoje 145 votos na Câmara. Foram cortejados pelos dois lados do impeachment e as negociações do varejão comandado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva permitiram a esses partidos ampliarem seu espaço no poder. Já as conversas com Temer serviram, ao fim e ao cabo, para que sacramentassem os cargos já conquistados e até os prometidos.

A lição aprendida pelo pessoal do centrão durante a disputa na Câmara foi a de que, não interessa quem seja governo, eles serão chamados a participar. O vice-presidente, assim como faz a presidente Dilma Rousseff hoje, terá que negociar caso a caso, cargo a cargo a fidelidade desses votos. Muitos já comemoram os ministérios prometidos por Temer, assim como o embarque em um novo governo. Mas são poucos, ou mesmo nulos, os incentivos para que esses partidos atuem como um bloco coeso, que brigará no Congresso por propostas impopulares, justo o que será necessário ao vice-presidente. Esse arranjo só aumenta a incerteza de um eventual governo Temer.

O PSB, que apoiava o governo Dilma e depois se declarou independente, está hoje reticente. O partido, desde as primeiras conversas com Temer sobre o impeachment, garantiu apoio ao afastamento da presidente. Mas condicionou a participação no governo às conversas de depois da votação. As promessas de ministérios ainda não fizeram com que o partido se posicionasse publicamente a favor de Temer.

Sobra então, o PSDB. Foram os 51 deputados da bancada do partido na Câmara que primeiro bateram o bumbo do impeachment. São os "cabeça preta" do partido, a ala mais jovem, que se vê fortalecida na disputa interna entre os tucanos. Ali, prevalece a certeza de que não vale a pena se queimarem votando medidas impopulares por um governo que não é do PSDB. A outra disputa que paralisa o partido é o excesso de candidatos presidenciais para 2018. José Serra, que vem articulando com o PMDB muito antes de o impeachment ser viável, já disse publicamente que o PSDB tem que participar do governo Temer. Aécio Neves, controla a máquina do partido, e vem falando em não permitir a nomeação de ministros tucanos. Já o governador de São Paulo e candidatíssimo, Geraldo Alckmin, segue na linha do apoio distante. O partido promete tomar uma decisão na próxima semana. Mas quem conhece os métodos de decisão tucanos aposta que a indefinição se arrastará até as vésperas do novo governo.

Para Temer, sobrou até agora o discurso de que o PSDB não participará do governo, mas dará apoio parlamentar. Não basta. Ajudar a aprovar medidas no Congresso é muito diferente de firmar um compromisso pelo futuro do governo e se associar a seu sucesso ou fracasso. O que os tucanos querem oferecer ao vice-presidente é pouco mais que uma miragem: ajudam mais, se o governo for bem; ajudam bem menos, se os ventos forem contrários. A avaliação que ainda domina o partido é que poderá ganhar as eleições presidenciais de 2018 sem se posicionar agora. No fundo, não querem pagar o preço, mas aceitam dividir igualmente os benefícios.

Essa base parlamentar parece muito mais a que tinha a presidente Dilma antes do desembarque dos aliados rumo ao impeachment do que com o governo de união nacional que o vice promete: é pouco coesa, dependente do centrão e se escora num parceiro preferencial que hesita em apoiar o governo. A última vez em que essa base foi testada na votação de medidas impopulares, que endureceram as regras do seguro desemprego e abono salarial - a presidente Dilma Rousseff teve que desidratar suas propostas para conseguir 252 votos a favor. Os contrários foram 227.

A articulação política do vice-presidente é inegavelmente superior à que existiu durante qualquer momento do governo da presidente Dilma Rousseff. Eliseu Padilha, Moreira Franco, Geddel Vieira Lima, Romero Jucá e o próprio Michel Temer não cometerão erros pueris como o PT, que quis dividir o PMDB criando novos partidos. O vice é visto como um conciliador que conhece e sabe fazer a política de tapinhas no ombro e conversas polidas que a presidente Dilma sempre se negou a fazer.

Mas para quem pode chegar ao poder com 60% da população apoiando sua renúncia e a realização de nova eleição, com a Lava-Jato capaz de desestabilizar qualquer acordo político, com o aliado Eduardo Cunha (PMDB-RJ) sob investigação do Supremo Tribunal Federal, Temer precisa muito mais de apoio no Congresso do que poderia lhe dar um governo de notáveis.

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