Por Juliano Basile – Valor Econômico
NOVA YORK - A presidente Dilma Rousseff negou, em Nova York, que tenha cometido crimes fiscais e disse que vai procurar os senadores para defender a sua posição contrária ao impeachment. Ela voltou a afirmar ser vítima de um golpe e ressaltou que a sua defesa no Senado será feita pelos ministros da Advocacia-Geral da União (AGU), José Eduardo Cardozo, e da Fazenda, Nelson Barbosa.
“A lei é clara e a Constituição também. O impeachment é previsto na Constituição, mas se completa dizendo que, para ter impeachment, tem que ter crime de responsabilidade. Eu acho interessantíssimo que só se fale da primeira parte de que é previsto o impeachment. Se esquecem da segunda parte que fala de crime de responsabilidade”, disse ela a jornalistas na residência do embaixador da ONU, Antonio Patriota, horas após falar na Assembleia das Nações Unidas.
A presidente disse ter sido acusada de seis decretos e dois tipos de atos. “Eles dizem respeito a quê? São créditos de suplementação (orçamentária)”, resumiu. Dilma disse que os créditos de suplementação não implicam em aumento de despesa. Em seguida, deu um exemplo: “É quando você vai para o supermercado e a sua lista de compras são as dotações. Eu tinha na minha lista que não havia leite. Eu aumento a minha dotação (para ter leite). Como eu faço? O meu limite financeiro é 100. A lista pode não dar para dois litros, mas, como o limite é 100, só tem um jeito. Eu tiro de alguma outra despesa que eu tinha e transfiro”.
Na sequência, Dilma falou de casos de excesso de arrecadação em rubricas específicas e deu exemplos. Ela mencionou que, se o Tribunal de Contas da União (TCU) pedir crédito suplementar para fazer concurso, pode-se decidir por suplementar a verba necessária. Segundo ela, também é possível aumentar os créditos para hospitais, para o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) e para o Ministério da Justiça.
“Quais as outras alegações? Todo o país do mundo faz transferência de renda. Por quê? Porque é fundamental para a população com a profunda desigualdade que nós temos. Nós pagamos o quê? Parte de direitos previdenciários, seguro desemprego, abono e Bolsa Família. Quem paga para nós? O governo federal não tem um caixa. Nós usamos os serviços usados pelos bancos públicos. Usamos porque é mais eficaz. E não apenas nós usamos. Essa prática existe há muitos anos”, insistiu a presidente, procurando detalhar as explicações técnicas sobre questões fiscais.
“Então, nós vamos pagar seguro desemprego. Estimamos que, naquele mês, o seguro desemprego vai ser igual a dez. Ele pode ser maior ou menor. Dificilmente, a gente vai cravar um número exato”.
Dilma disse que, quando o saldo era maior no banco público, se utilizava esse saldo. Mas, se o saldo fosse menor, o banco cobra uma parte.
“Mais uma questão: os chamados passivos da União, os passivos com o Sistema Financeiro e o FGTS”, afirmou Dilma. “O governo pratica uma coisa chamada subvenção econômica”, afirmou, explicando que, no programa Minha Casa, Minha Vida, o governo paga a diferença entre o juro de mercado e o necessário para o programa funcionar.
“A minha criminalização se dá pelo fato de que discutem se isso é ou não operação de crédito. Nós consideramos que isso não é operação de credito. Nós pagávamos com certa metodologia”.
Injustiça
Dilma afirmou ser vítima de um golpe e uma injustiça no processo de impeachment que sofre no Congresso.
“Eu me julgo uma vítima. Estou sendo injustiçada. Me sinto vítima de um processo ilegal, golpista e conspirador”, declarou.
A presidente acrescentou que, se ela se sente injustiçada, “o que dizer de um cidadão no Brasil quando os direitos dele forem afetados?”, questionou.
“Me dizer que isso não é golpe é tapar o sol com a peneira. Eu sou uma pessoa injustiçada, uma vítima e isso é grave porque sou presidente da República. Se nem para mim a lei valer, imagine para os cidadãos”.
Solidariedade
Dilma disse ter recebido a solidariedade de líderes mundiais na Assembleia das Nações Unidas, onde fez um discurso sobre o acordo contra mudanças climáticas. No discurso, ela não utilizou a palavra golpe, mas manifestou preocupação com a situação no Brasil.
“Eu fui à ONU para falar a verdade. Sem nós, a COP-21 (Conferência do Clima realizada em paris, em dezembro passado) não teria o resultado que teve. Nós fomos decisivos para que hoje estivesse sendo assinado um acordo por todos os países do mundo. Quando o presidente (Barack) Obama me liga para me cumprimentar pela COP-21, ele menciona o papel destacado do Brasil nessa reunião”.
Dilma admitiu ter feito uma referência genérica nas Nações Unidas ao processo que sofre no Brasil e explicou porque deixou para apontar o golpe à imprensa, e não na ONU. “Eu falo golpe para a imprensa porque estou lá (na ONU) falando sobre clima. Eu falo de golpe é para a imprensa”.
Em seguida, a presidente disse ter relações pessoais com líderes mundiais que lhe procuram para prestar solidariedade na ONU. “Eu tenho relações pessoais e todos os presidentes que conhecem a minha história e conhecem o que se passa no Brasil me disseram: ‘Força’. Outros disseram: ‘Solidariedade, segure que você é forte’”, revelou a presidente.
Dilma disse ainda que o Brasil pode ser acionado no Mercosul pelo fato de, segundo ela, as regras democráticas não estarem sendo devidamente respeitadas no processo de impeachment. “Eu vou dizer o seguinte: ‘Está em curso no Brasil um golpe’. Então, eu gostaria que o Mercosul e a Unasul olhassem esse processo”.
Ela afirmou que a cláusula democrática do Mercosul, que exige que os membros respeitem as regras constitucionais, poderá ser avaliada.
'Golpistas'
Dilma destacou que. uma vez aprovado o processo de impeachment, pessoas que respondem a acusações de lavagem de dinheiro vão assumir o país.
“Quem vai assumir o país? São pessoas com processo de lavagem de dinheiro”, disse ela. “Eu não tenho contra mim nenhuma denúncia de corrupção. Eu não recebi dinheiro para me beneficiar. Nunca fiz isso”.
A presidente acusou que os que falam que não há golpe estão propagando uma visão incorreta. “Dizer que não é golpe é uma visão incorreta. O golpe é você tirar uma pessoa do poder por razões que não estão expressas na lei nem na Constituição. É grave”, enfatizou. “Além disso, no meu caso, tem jeito de dar um golpe. Basta a mão. Você rasga a Carta Constitucional e está dado o golpe. Você rasga os princípios democráticos e está dado o golpe”.
Dilma ressaltou ainda que as pessoas que estão defendendo que ela deixe a Presidência estão com receio de aparecer como golpistas na imprensa internacional. “Por que há esse medo quando falamos que há golpe no Brasil? Estão subestimando a capacidade de compreensão das pessoas”. Para ela, os opositores temem serem chamados de golpistas.
Mandato
Dilma disse que vai defender o seu mandato por causa dos votos que recebeu. “Eu quero defender o meu mandato. Eu devo isso aos meus 54 milhões de eleitores”, afirmou ela.
A presidente acusou os opositores de tentar tirá-la do poder por vias indiretas, e não pelo voto. “O que não é admitido é um processo de impeachment que é, na verdade, uma eleição indireta”, apontou.
“A coisa mais escutada no Brasil é que dizem que o processo de impeachment é político. Não é não. É político, mas é jurídico. Não se pode dizer: ‘eu não gostei e vou assumir o poder de forma indireta’”.
A presidente disse ainda que não tem intenção de ficar a qualquer custo no cargo, mas vai defender a posição que conquistou nas eleições de 2014. “Eu não sou pessoa apegada a cargo, mas vou defender o meu mandato.”
STF
A presidente minimizou o fato de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF) terem dado declarações opinando que o processo de impeachment tramita regularmente. Para ela, apenas três ministros deram essas declarações.
A presidente ainda advertiu a Corte de que eles não poderiam antecipar opiniões porque terão que julgar o processo no futuro.
“Os ministros do STF não deveriam dar opinião porque vão me julgar”, afirmou ela. Questionada sobre o fato de eles terem dito que o impeachment segue o rito aprovado pela Corte e que estaria sendo conduzido regularmente, Dilma disse que essa é a opinião de apenas três ministros.
A presidente ainda reconheceu que a sua família está sofrendo por causa do processo de impeachment. “Eu não falo sobre a minha família. Eu acredito que eles estão sofrendo. Você imagina como a sua família estaria se sentindo, então, eu não posso falar porque dói. Dói muito”, disse.
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