- O Estado de S. Paulo
Mergulhar nos 11,5 milhões de documentos sobre o 1% do 1% da elite global cliente da Mossack Fonseca é um banho de humildade. Comparados a russos, árabes, chineses e até islandeses, os brasileiros não têm chance de ganhar o campeonato mundial de corrupção, não disputam pódio como lavador de dinheiro nem sequer o bronze por ocultação de patrimônio. No contexto da maior investigação sobre empresas de fachada que o mundo já viu, o Brasil é elo de nível médio, semiperiférico e nada original.
Nesses tempos em que a seleção brasileira comemora empate com o Paraguai, o reconhecimento internacional no panteão global da sonegação talvez compensasse a decadência futebolística. Nada. Só não tomamos de 7 x 1 graças às empreiteiras empenhadas em superfaturar a imagem do Brasil no exterior. No #PanamaPapers, perdemos da rival Argentina em citação de presidentes, ex-presidentes e até do principal craque de futebol do país.
Ironia à parte, o grande mérito dos #PanamaPapers é revelar – através da exposição de 40 anos de correspondência interna de uma das mais tradicionais “fábricas” de offshores do mundo, a panamenha Mossack Fonseca – como a corrupção é transnacional, como os paraísos fiscais servem propositalmente ou não à ocultação de bens obtidos de maneira duvidosa e como essa é uma prática universal. Não há jabuticaba em matéria de corrupção e sonegação. Também aqui nada se cria, tudo se copia.
Isso não diminui a gravidade dos crimes que eventualmente venham a se comprovar envolvendo lavagem de dinheiro e sonegação fiscal através de empresas de fechada criadas pela Mossack Fonseca para brasileiros. O Brasil é dos raros países onde autoridades haviam tomado medidas práticas contra a Mossack antes de #PanamaPapers vir à tona. Na fase Triplo X da Lava Jato, o escritório da empresa em São Paulo foi alvo da Polícia Federal, funcionários foram presos e todos os computadores foram apreendidos.
Em tese, os investigadores da Lava Jato tiveram acesso a uma parte da documentação eletrônica a que os jornalistas envolvidos no #PanamaPapers também tiveram. A diferença é que os policiais e procuradores confiscaram apenas o que estava na filial brasileira, enquanto a equipe transnacional de jornalistas tem acesso a um banco de dados com e-mails, procurações, certificados de ações ao portador, e cópias de passaportes de clientes, usufrutuários e diretores de offshore em 39 países.
Policiais e procuradores têm uma vantagem fundamental, porém: eles têm meios de cruzar os dados da Mossack Fonseca com registros sigilosos da Receita Federal e do Banco Central para saber se as empresas offshore de brasileiros foram devidamente declaradas. Abrir uma offshore ou manter conta bancária no exterior não é crime, desde que se comunique as autoridades a respeito. Há motivos para empresas que operam no exterior, por exemplo, constituírem offshores. A questão é separar o legítimo do ilegítimo, o legal do ilegal. É o que a Lava Jato pode fazer.
O #PanamaPapers é provavelmente a maior investigação jornalística global de que se tem notícia: 374 repórteres de 109 veículos de comunicação em 76 países. Os documentos foram obtidos pelo jornal alemão Süddeutsche Zeitung, que decidiu compartilhá-los com o Consórcio Internacional de Jornalistas Investigativos (ICIJ, em inglês), a mesma organização que dera à luz o SwissLeaks, sobre contas do banco HSBC na Suíça.
É uma investigação em curso. Novos casos continuam sendo verificados, cruzamentos continuam sendo feitos. E desdobramentos do #PanamaPapers ainda estão por vir: da eventual queda do primeiro-ministro da Islândia – pego em um inexplicável conflito de interesses – ao presumível pega-pega global que policiais, procuradores e agências de segurança nacionais e internacionais deverão promover a partir de agora – ou não.
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