- O Estado de S. Paulo
O controle de admissão no Ministério de Michel Temer compete em rigor com o departamento de “compliance” da Mossack Fonseca. A firma tornada famosa pelos #PanamaPapers submetia os nomes dos clientes que queriam comprar offshore a uma busca no Google. O novo governo pede bênção de avalistas como PP e PSD. Se o partido bancou, está aprovado. Com exceção de Newton Cardoso Júnior (PMDB) para a Defesa: o único que conseguiu ser cliente da Mossack, mas foi barrado por Temer – ou por alguém acima dele.
Se não chegaram a frequentar o Panamá, muitos dos ministros do novo gabinete estão nos “Paraná Papers”. Dos 23 novos e seminovos (muitos foram reciclados de governos passados), 12 ministros receberam doações de empresas investigadas pela Lava Jato – a operação comandada desde a capital paranaense. Até aí, nenhum crime. Impossível Temer montar um Ministério bancado 100% por partidos e com zero de financiados por empreiteiras. A amostra é representativa do universo em que ela foi colhida.
Daí a ter um ministro que é alvo de um pedido de investigação pela Lava Jato, como Henrique Eduardo Alves, e outro que já responde a inquérito, como Romero Jucá, é quase uma imposição probabilística. O problema de um governo sustentado pelos votos de 367 deputados e 55 senadores é que ele não pode confrontar os interesses de seus eleitores. Mesmo quando, nas palavras da OAB (Ordem dos Advogados do Brasil), um ministro investigado pela Lava Jato ameace a chance de o Brasil “trilhar melhores rumos”.
Como explicou o seminovo Eliseu Padilha, essa é também a razão de não haver mulheres no Ministério. Os partidos não indicaram ninguém do sexo feminino. Tampouco é surpresa. Várias legendas não conseguem completar a cota de mulheres nas suas chapas em eleições proporcionais porque muitas das direções executivas dos partidos poderiam se reunir em banheiros masculinos – e nenhum dos presentes reclamaria. A misoginia está nos bigodes da política partidária no Brasil. O Ministério é seu reflexo.
Se há super-representação de homens brancos e ricos (média patrimonial de R$ 11 milhões declarados, com mediana de R$ 2,1 milhões – calculados a partir dos valores compilados pelo Congresso em Foco) no Ministério de Temer é porque essa é a casta que comanda a maioria dos partidos políticos no Brasil. Um gabinete semiparlamentarista como o que nasce vai espelhar essa distorção sempre que a sociedade parar de bater panelas.
O descontentamento com a baixa representatividade do sistema político-partidário brasileiro ajudou a desencadear os protestos de junho de 2013, uma das origens da crise política em que o Brasil se afunda até hoje. Um dos produtos dessa crise é a ascensão ao poder apenas daqueles que mais evidenciam a falta de representatividade. Essa ironia não é mero acaso.
O sistema é endógeno e busca a perenização, nem que para isso precise sacrificar os que desrespeitam sua lei do silêncio – como o ex-senador Delcídio Amaral descobriu. União em torno de um mesmo objetivo, a autopreservação, é chave para o sucesso da nova ordem. Assim, no mesmo dia em que Temer chamava a “Lava Jato” de referência, um de seus amigos, o ministro Gilmar Mendes, do Supremo, arquivava a investigação contra Aécio Neves.
Não deve parar por aí. Em entrevista a Erich Decat, no Estado, o seminovo ministro da Secretaria de Governo de Temer, Geddel Vieira Lima, deu a extensão do acordo que se pretende: “Tenho muito apreço, carinho e respeito pelo ex-presidente Lula. (…) Nenhuma dificuldade de diálogo com ele. Tenho certeza de que, passado esse momento de emoção, o Lula (…) haverá de dar sua contribuição para o distensionamento”.
Isolada, a frase parece trivial. Na atual circunstância da Lava Jato, cheira a convite para uma pizza de quibe com mortadela.
Nenhum comentário:
Postar um comentário