"Temer terá que enfrentar passivo da crise de imagem das instituições"
Por Marcos de Moura e Souza – Valor Econômico
Belo Horizonte - O professor de Ciência Política da Universidade de São Paulo (USP) José Álvaro Moisés está otimista com as primeiras palavras do presidente interino, Michel Temer, e de sua equipe. Vê pela frente a volta do que chama de racionalidade das políticas econômicas e uma base parlamentar muito mais sólida do que teve Dilma Rousseff. Mas Moisés, que foi integrante da executiva nacional do PT, afirma que Temer enfrentará a descrença popular em políticos. Para ele, o afastamento de Dilma foi uma reação a abusos de poder à aguda crise econômica e não vê chances de sua volta.
Valor: O que esperar de um governo de dois anos e meio com desafios econômicos imensos?
José Álvaro Moisés: Acho que o pronunciamento do Temer aponta que vai ele fazer um governo de cooperação com o Congresso. E ele conseguiu montar uma coalizão governativa muito sólida, que dá número suficiente para ele aprovar as primeiras medidas que quer. Acho que ele vai se concentrar na retomada da economia. Estão indicando com contenção de gastos, corte de 4 mil cargos comissionados, de ministérios - embora isso seja em grande parte simbólico - e rever condições de fazer concessões e as privatizações. Eu acho que vão apostar nesses pontos e que, na verdade, não constituem grandes reformas, mas constituem pré-condições para retomada do crescimento. Eu estou vendo que em parte é isso o que eles poderão fazer.
Valor: Pelo que já disse até agora, o governo Temer será mais uma continuação da era FHC do que da do período Lula-Dilma?
Moisés: Desde a redemocratização, a política de Estado teve alguns momentos de grande racionalidade. A meu juízo o governo Fernando Henrique Cardoso foi exemplo disso. No primeiro mandato de Lula, as coisas se mantiveram assim até certo ponto. No segundo, isso mudou. E no período de Dilma, se perdeu completamente. Acho que agora está se propondo uma retomada de uma racionalidade da política econômica.
Valor: Qual é a força e a qual é a fraqueza de Temer?
Moisés: A fraqueza é que a crise solapou a crença das pessoas nas instituições e nos partidos. Esse é um passivo que Temer terá de enfrentar. Ele vai ter de inovar e terá de dar uma perspectiva nova. Mas em algumas decisões na montagem de ministério, já faltou transparência. O ativo é a reconhecida capacidade dele como negociador e o fato de ele ter formado uma base que lhe dê governabilidade.
Valor: Que preço Temer terá de pagar para manter a base?
Moisés: Nós estamos habituados, inclusive olhando o PMDB, que coalizão é quase igual a fisiologismo. Mas na França, Bélgica, Portugal, Espanha, Itália, em vários países, onde tem governos de coalizão, partido que governa junto significa ter postos. A experiência no Brasil diz que ter postos no governo significa obter benefícios, para além dos limites republicanos. A equipe nova está falando que vai adotar uma série de critérios muito cuidadosos, do ponto de vista de competência. Pode ser que estejamos entrando numa fase nova do presidencialismo de coalizão. Agora, será preciso que órgãos de fiscalização e controle, a imprensa olhem se vão ou não repetir procedimentos anteriores.
Valor: Os novos ministros permitem alimentar expectativas de que oferecerão algo novo?
Moisés: Não me detive ainda para analisar os escolhidos. Mas qualquer novo governo que vai forma uma coalizão se apoiando no Congresso e nos partidos, não tem jeito. Não se pode chegar para a direção dos partidos e dizer: 'Não indique esse cara, por que eu não gosto'. Se você aceita fazer uma coalizão e chama os partidos para fazerem parte, algum grau de concessão você tem de admitir quando o outro lado propõe um nome. Se você chama o partido para fazer parte, não dá para impor uma regra que impeça os partidos indicarem nomes com base na opinião deles. Os partidos que estão aí não são bons? Não são. Mas como não dá para esperar que os partidos se transformem para depois montar um governo, você tem que aceitar. Tem que funcionar assim.
Valor: Como o impeachment entrará para história política do país?
Moisés: Minha impressão é que o processo de democratização do país vem avançando em muitas direções desde meados dos anos 80, mas algumas coisas estão ainda incompletas. Uma delas é que nós não incorporamos com o devido cuidado do ponto de vista das normas, e principalmente da cultura política, a noção segundo a qual democracia não é só eleição, mas é também processo de fiscalização e controle do poder. No caso do impeachment, a questão sobre os decretos de crédito suplementares sem autorização do Congresso [uma das razões que embasaram o afastamento de Dilma] mostra que não há ainda devidamente a incorporação de que essas coisas são fundamentais para a democracia. A ideia de que esses créditos foram uma coisa simples só para acertar as contas é uma fraude do ponto de vista de fiscalização. O impeachment da presidente Dilma vai entrar para história como mais um episódio da incorporação desses temas.
Valor: Não fosse o abismo econômico e o avanço da Lava-Jato, créditos suplementares e pedaladas fiscais teriam derrubado Dilma?
Moisés: Difícil raciocinar por hipótese. Eu acho que o impeachment ocorreria. Esse processo se acelerou por causa da crise econômica, da crise política, a crise de valores.
Valor: Recessão e corrupção minaram Dilma?
Moisés: O que minou a popularidade da presidente Dilma foram escolhas de políticas econômicas erradas associadas a uma maneira de usar o poder político que envolve abuso. As pessoas não querem mais isso. Veja a situação da Petrobras. Houve um processo sistêmico, articulado, um clube de empresários administrava a corrupção em associação com funcionários da Petrobras e com partidos, com o PT e outros. Teve um rombo de tal natureza nas contas públicas a partir daí que trouxe consequências para a recessão, para a inflação, para o desemprego. Dá para separar uma coisa da outra? Para mim, não. Sempre teve corrupção, inclusive nos governos da ditadura militar. A novidade desse período do PT é que virou uma articulação. Esse desenho da corrupção é mais recente e, a meu juízo, tem enorme consequência para as políticas econômicas que por sua vez afeta a vida das pessoas. Eu insisto: o tema é abuso do poder. Abuso de poder, mais crise econômica, mais crise política. Democracias têm como se defender disso. No presidencialismo, a defesa se chama impeachment.
Valor: Dilma terá chances de voltar daqui a 180 dias somente se acontecer o quê?
Moisés: Primeiro, pode ser que com o aprofundamento do exame das acusações de crimes de responsabilidade uma maioria diga que não cometeu crime e que ela deveria voltar. E, em segundo lugar, se em quatro ou cinco semanas, Temer fracassar completamente e tiver um levante no país, Dilma tem chance de voltar. Mas não acredito que isso vá acontecer.
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