• Deverá tirar o país da grave situação econômica, reduzir o desemprego, criar expectativa de progresso social
- O Globo
O Brasil está de parabéns. Conseguiu livrar-se de 13 anos de dominação lulopetista no mais absoluto respeito às instituições democráticas. A sociedade brasileira esteve à altura de sua complexa realidade, dando um basta a uma elite política que devastou o país.
Enquanto a representação política em geral enfrenta problemas sérios de legitimidade, dados a corrupção e o fisiologismo, os laços propriamente sociais permaneceram imunes a esta corrosão. A política não contaminou a sociedade.
A moralidade pública foi tornada princípio, apesar de muitos políticos a desafiarem. Ou seja, a sociedade brasileira, mais uma vez, mostrou-se em muito superior aos seus políticos e representantes. Contudo, deve-se reconhecer que os parlamentares, seja na Câmara, seja no Senado, conscientizaram-se também das graves questões em curso e se colocaram como verdadeiros representantes do povo. Alguns disseram não à sua própria conduta anterior. É o preço que o vício paga à virtude.
O impeachment da presidente Dilma, para além dos seus erros e crimes de responsabilidade fiscal, infringindo a Lei Orçamentária e desrespeitando a Constituição, teve como condição central o descontentamento popular, manifesto nas ruas, na imprensa, nos meios de comunicação e nas pesquisas de opinião. Os cidadãos deste país recusaram um método de governar. A Lava-Jato tornouse efetivo patrimônio nacional.
Neste processo, as pessoas disseram “não” à ainda presidente Dilma, ao PT e aos seus diferentes aliados partidários. Só disseram indiretamente “sim” ao novo presidente Michel Temer, por ser o primeiro na linha constitucional de substituição de uma presidente impedida. Reafirmaram a Constituição.
Isto significa que o seu esforço deverá ser redobrado. Deverá tirar o país de sua grave situação econômica, reduzir drasticamente o desemprego, criar uma expectativa de progresso social, assistir aos mais necessitados e, ao mesmo tempo, mostrar-se como novo, capaz de imprimir um novo modo de fazer política, sinalizar um outro rumo para a nação. Não pode fazer mais do mesmo.
Ocorre, porém, que as mudanças de rumo obedecem a certos imperativos da política brasileira, que devem ser obedecidos, considerando os vários interesses em jogo. Na verdade, não se muda um país da noite para o dia. Da mesma maneira, há conflitos inevitáveis entre princípios da moralidade e negociações políticas que têm em vista a governabilidade.
Tudo indica que a preocupação principal do novo presidente Michel Temer consiste na governabilidade, ou seja, na aprovação dos projetos necessários para tirar o Brasil do atual atoleiro. Medidas duras e impopulares, tais como a reforma fiscal, a previdenciária e a trabalhista, devem ser aprovadas na Câmara dos Deputados e no Senado. Não é possível tergiversar sobre a aprovação dessas medidas. Sem governabilidade, sem a aprovação dessas medidas, o governo Temer não terá condições de dar certo, sendo o país o maior prejudicado.
No contexto atual, há um certo peso diante do qual o novo presidente deverá se curvar, apesar de suas intenções contrárias. No momento do processo de impeachment, nada foi efetivamente prometido, salvo uma colaboração e participação futura. Os termos foram vagos.
Contudo, agora, cada grupo de deputados e cada partido pretende participar do governo por intermédio da reivindicação de cargos. Foram acostumados, pelos últimos 13 anos, a uma forma de fazer política consistente na ocupação de cargos e nas moedas de trocas daí derivadas. Alguns sequer conhecem por experiência outra forma de fazer política.
Logo, surge um conflito inevitável entre a moralidade e a política, entendida em sua forma negocial. Acontece que a moralidade corresponde, hoje, a uma exigência da cidadania, clamando por uma nova forma de fazer política. As ruas deixaram isto muito claro nos últimos anos. Se o novo presidente não corresponder a essa expectativa, se colocará em franca dissonância com a sociedade.
Esta, por enquanto, está disposta a tudo suportar no imediato, pois o “não” a ainda presidente e ao PT continua regendo o seu comportamento. Em três meses, o novo governo deverá enfrentar-se com uma situação sua, por mais que reivindique uma herança maldita. E a população exigirá um novo método de governar.
Neste sentido, não bastam manifestações presidenciais de apoio à LavaJato se vários novos ministros estão sendo investigados nesta operação. O problema não consiste em que podem ou não ser condenados antes de seu julgamento, mas na imagem que é passada para a sociedade. O PT já utilizou esse argumento várias vezes, e ele não foi minimamente aceito. A moralidade pública tornou-se um meio de fazer política, ao contrário da recente prática política do país.
Para os cidadãos, o que conta são políticos que não estejam envolvidos com a corrupção. Os imperativos da moralidade pública deveriam vingar. No entanto, esses mesmos políticos, que foram muito importantes na aprovação do processo de impeachment, são alguns que estão moralmente, senão legalmente, implicados na LavaJato ou com outras formas de corrupção e de desvio de recursos públicos. Há uma contradição aqui entre os imperativos da ética e os da política.
Como se não fosse ainda suficiente, a composição do novo Ministério caracterizou-se pelo fisiologismo partidário. Ela foi escancarada publicamente. Partidos e grupos internos a cada um deles lançaram-se avidamente na captura de cargos, como se o país pudesse ser deixado para trás. Esta marca está impregnando este primeiro Ministério Temer, colocando-o em franca dissonância com a nação. É mais do mesmo!
O seu desafio, uma vez efetivado presidente e após as primeiras medidas aprovadas, será o de representar esse novo anseio da cidadania brasileira. Se não o fizer, poderá ter muitos tropeços até 2018. As ruas são um deles.
A sociedade entende o impeachment como uma conquista sua que não pode ser apropriada por uma elite política na qual não se reconhece.
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Denis Lerrer Rosenfield é professor de Filosofia na Universidade Federal do Rio Grande do Sul
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