O impeachment não foi, na opinião deste jornal, a melhor resolução do impasse que paralisava o país havia meses.
Todo o processo vem ocorrendo de forma constitucional, sob supervisão de uma suprema corte insuspeita e assegurando-se amplo direito de defesa à presidente afastada.
A noção de que estaria em curso um golpe de Estado só não é estapafúrdia porque se filia mais à propaganda do que à análise política. Serve à surrada versão (Fernando Collor já a adotava em sua época) de que o PT é vítima de alguma conspiração de elites, e não de seus clamorosos erros e delitos.
Ainda assim, não foi o desenlace ideal. Embora as fraudes orçamentárias que Dilma Rousseff praticou em escala inaudita sejam motivo previsto na Constituição e na lei para impedimento, trata-se de tecnicalidade que a maioria das pessoas ignora.
O impeachment é um juízo jurídico-político; foi este último aspecto que prevaleceu. Pelo descalabro econômico, pela profusão de escândalos comandados pelo PT, sobretudo pela perda de toda capacidade governativa, o afastamento de Dilma Rousseff surgia como pré-requisito de uma recuperação urgente.
Deixa um rastro, porém, de inconformismo numa minoria expressiva (cerca de 25% da população) que o considera ilegítimo. E propiciou a ascensão de um presidente experimentado, mas sem respaldo popular, que executará um programa em muitos aspectos oposto ao conto de fadas que o eleitorado sufragou em 2014.
Por esses motivos, esta Folha teria preferido que a conjuntura dramática forçasse a chapa então eleita a renunciar —ou o Superior Tribunal Eleitoral a invalidar sua eleição, caso se comprovem os indícios de financiamento delituoso da campanha.
A crise que atravessamos é profunda o bastante para tornar desejável um retorno à fonte de onde deriva o poder da autoridade política, por meio de consulta à totalidade dos cidadãos.
Pela Constituição, no entanto, Michel Temer é o presidente interino e deve ser respeitado como tal. Seu governo decepciona pela composição em tantos casos medíocre, mas abriga uma equipe econômica competente que anuncia diretrizes corretas e inadiáveis.
Há algo de pendular nessas mudanças; o governo Temer deveria evitar que a lógica da polaridade o levasse a um rumo demasiado conservador, que o distancie do centro político, preferência constante da maioria do eleitorado.
Seu objetivo maior, além de recuperar a economia, deveria ser desarmar espíritos na sociedade.
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