• Michel Temer assume a Presidência com a missão de resgatar a confiança do País, retomar os investimentos e promover um pacto nacional. O tempo joga contra ele
Mário Simas Filho, Sérgio Pardellas e Pedro Marcondes de Moura - IstoÈ
A elevada temperatura da canjica servida na ampla varanda do Palácio do Jaburu, na terça-feira 10, denunciava a certeza de que Michel Temer (PMDB-SP) viria a se tornar o 37º presidente do Brasil, 48 horas depois. Nos códigos brasilienses, é sabido que em gabinetes de quem tem poder ou a expectativa dele, as refeições e o cafezinho são servidos bem quentes. No mesmo dia, o café oferecido no Palácio do Planalto, ainda ocupado por Dilma Rousseff, estava frio. “Vamos conversar enquanto a canjica esfria”, dizia Temer, às voltas com o quebra-cabeça da montagem da equipe ministerial.
Naquele momento, as peças ainda não estavam todas encaixadas, mas o novo presidente traduzia a convicção de que havia trilhado o caminho correto ao decidir, depois de muito vai e vem, reduzir para 24 o número de ministérios, a despeito de ter de enfrentar as pressões oriundas de partidos aliados.
Até o ano passado, a administração do PT ostentava nada menos do que 39 pastas. “Não é fácil diminuir o número de ministros e ao mesmo tempo escalar uma equipe que atenda aos interesses dos partidos”, disse Temer. “Mas decidi que meu primeiro compromisso é com a sociedade e as ruas estão pedindo isso.” Na quinta-feira 12, veio a confirmação da extinção de nove ministérios. Uma redução a transcender a economia com salários. É um gesto simbólico. Sinaliza que o Executivo, ao contrário do que ocorreu durante a gestão petista, está disposto a cortar na própria carne neste momento de crise.
Dentro do mesmo contexto, Temer iniciou também a demissão de parte dos 30 mil servidores comissionados usados como cabides de empregos na gestão petista. O presidente está absolutamente consciente de que dispõe de legitimidade constitucional e política, mas que ainda lhe falta a chancela popular. “Não posso cometer os mesmos erros daqueles que estão saindo. Ignoraram os recados que vêm desde as manifestações de 2013”, afirmou.
A aliados, o presidente promete ir além da reforma administrativa. A ideia de Temer é adotar um modelo de meritocracia inspirado na iniciativa privada. Funcionários públicos ganharão bônus caso alcancem metas preestabelecidas. No novo formato, as direções de estatais e agências reguladoras deixarão de ser ocupadas por apadrinhados políticos. Seguiriam critérios técnicos.
O programa Ponte para o Futuro, espécie de plano de governo do PMDB, defende a criação de leis para estabelecer o modelo de recrutamento para as diretorias de empresas públicas – uma medida que, em vigor, poderia ter evitado o Petrolão. Aprová-la, no entanto, exigirá muito jogo de cintura político. Principalmente, dentro de casa. Desde a redemocratização, o PMDB de Temer é uma legenda insaciável por postos estratégicos no poder – o caso das estatais, empresas, em geral, com verba, caneta e tinta para dar e vender. Espera-se que o novo presidente mantenha até o fim à disposição de comprar brigas em nome da governança.
De nada adiantarão as propostas de aprimoramento da máquina pública se Temer ceder ao fisiológico toma lá, dá cá de cargos. As ofertas sem critérios para postos federais em troca de apoio político ensejaram os principais escândalos de corrupção da história recente, como o mensalão e o Petrolão. Por isso, é imperativo mudar essa lógica. É evidente que um governo precisa de alianças e base parlamentar para aprovar projetos no Congresso. Não à toa, Temer montou o chamado ministério de expressão parlamentar. Dos escolhidos, 13 são deputados ou senadores. Mas os acordos têm de ocorrer de modo republicano. As siglas precisam apresentar nomes qualificados que aceitem se submeter a uma orientação programática. Foi dessa forma que Temer selou a união com o PSDB. Sem dúvida, se levada mesmo a cabo, será uma importante mudança na maneira de lidar com os partidos.
O presidente também quer impor uma nova sintonia para a relação entre os Poderes. À ISTOÉ, com a canjica já em uma temperatura agradável para ser digerida, Temer disse nutrir a expectativa de ficar marcado como o responsável pelo que chama de “reinstitucionalização” do Brasil. Quer dizer, não pretende governar com Medidas Provisórias, de maneira alguma irá subjugar o Congresso e muito menos fazer pressões sobre o Judiciário. “A manutenção da democracia passa necessariamente pela independência e harmonia entre os poderes.
As gestões do PT tutelaram o Legislativo e o próprio parlamento deixou espaço para que o Judiciário muitas vezes tomasse decisões por falta de regulamentações”, disse. Quando provocado a respeito de uma reforma política que, por exemplo, acabe com a reeleição, o presidente, ao menos nesse primeiro momento, mostra coerência entre o discurso e a prática. “Não serei candidato em 2018, mas a questão da reeleição é um tema que cabe ao Legislativo e não ao Executivo. Se vier um projeto assim do Congresso, ele terá meu apoio, mas a tarefa é dos deputados e dos senadores.” Claro: para o relacionamento com o Legislativo fluir com mel, Temer sabe que precisa de nomes de peso político capazes, sobretudo, de fazer a ponte com os parlamentares. Sofrerá, caso contrário, da mesma paralisia dos governos Dilma.
Na terça-feira 10, Temer passou praticamente quase todo o dia ao lado de seus quadros mais qualificados – ao menos do ponto de vista político. Com a chegada do sol do fim de tarde, o presidente entabulou uma conversa em um sofá bem próximo de um buffet onde o novo secretário de governo, Geddel Vieira Lima (PMDB-BA), conversava com líderes partidários. Tão logo se aproximou, Temer foi interrompido por uma chamada no celular. Do outro lado da linha, o senador Romero Jucá (PMDB-RR), novo ministro do Planejamento e um dos principais artífices do governo recém-empossado, informava sobre a sessão do Senado que havia sacramentado a cassação de Delcídio do Amaral. Em menos de um minuto Temer desligou o telefone e demonstrou admiração pelo interlocutor: “É impressionante como o Jucá conhece o Orçamento e como é rápido no raciocínio político”.
Ato contínuo, a conversa se voltou para a operação Lava Jato. Em harmonia com o discurso que faria dois dias depois, Temer prometeu ali não criar embaraços às investigações. “Um presidente não pode interferir em uma investigação policial e nem mesmo em processos judiciais. A apuração do Petrolão é uma questão do Judiciário”. Temer sabe que a sociedade não admitirá ingerência na independência funcional da Polícia Federal. Nem aceitará cortes de verbas que impeçam o órgão de avançar contra os malfeitos. É possível que as apurações desemboquem em correligionários dele. Dois de seus ministros são investigados e outros citados no Petrolão. Qualquer movimento do novo presidente em relação ao tema será observado de muito perto. A marcação será cerrada, não há sombra de dúvidas. Os brasileiros que foram as ruas pelo impeachment exigem que o Brasil continue a ser passado a limpo. Um novo momento político exige novas práticas.
Nas semanas que antecederam ao impeachment, Temer tentou, dentro das possibilidades, submergir. Não queria parecer um articulador do afastamento, a despeito da romaria de políticos que o procuravam. Dedicou parte deste tempo a mergulhar na leitura de biografias sobre líderes políticos. Buscava inspiração para uma eventual gestão. Uma história, em especial, voltou a despertar a sua atenção: a de Franklin Roosevelt, responsável por retirar os Estados Unidos da grande depressão de 1929. A aliados, analisou que, assim como ocorreu com Roosevelt, assumiria uma nação devastada.
A economia nacional recua 3% ao ano. O desemprego cresceu de 6,4 para% 10,2% em dois anos. O poder de compra despencou. A autoestima da população entrou numa crise sem precedentes e a descrença com a política se ampliou. Precisava de um receituário ambicioso, pensou. Usando o exemplo do ex-chefe de estado americano, Temer propõe um “new deal” à brasileira. Na prática, unir a sociedade em torno de uma agenda de transformações. Para acontecer, o peemedebista terá de se dispor a arriscar sua biografia para promover reformas econômicas, mesmo que elas se mostrem impopulares em um primeiro momento. Um líder comprometido com a democracia, que respeite a autonomia das outras instituições e apoie o combate à corrupção até quando as investigações atinjam pessoas próximas. E, principalmente, capaz de pacificar um País conflagrado, deixando interesses partidários de lado.
Foi com esse tom de conciliação nacional que Temer inaugurou a sua gestão. No primeiro discurso, na quinta-feira 12, não recorreu a palanques ou claques partidárias. Tampouco criticou diretamente Dilma Rousseff. A cerimônia foi frugal como a situação exigia. Ocorreu no menor salão de eventos do Palácio do Planalto. Depois de empossar os ministros, Temer discursou à nação por cerca de meia-hora. Fez questão, neste momento de crise, de usar a palavra confiança para iniciar a sua fala.
Conclamou, em seguida: “Partidos, lideranças, entidades organizadas e o povo brasileiro hão de emprestar sua colaboração para tirar o país desta crise.” “O diálogo é o primeiro passo para enfrentarmos os desafios”, afirmou. O primeiro deles, como lembrou Temer, é reconhecer os limites do Estado na economia. A equação das gestões petistas de subsídios, intervencionismo e desrespeito a contratos quebrou o País. “Teremos que incentivar, de maneira significativa, as parcerias público-privadas, na medida em que esse instrumento poderá gerar emprego no País”, disse. “Sabemos que o Estado não pode tudo fazer”, acrescentou.
O discurso do novo presidente, que chegou a ser interrompido por uma constrangedora rouquidão, solucionada por uma pastilha entregue por um auxiliar, soou como sinfonia de Bach a empresários, investidores, integrantes da classe média e até aos menos favorecidos, aliviados com a promessa de manutenção dos programas de transferência de renda.
Um novo ciclo de crescimento e emprego depende da atração do investimento privado, principalmente para as obras de infraestrutura. Para tanto, o Brasil precisa resgatar a confiança dos empresários. A troca de presidente e a volta de Henrique Meirelles à equipe econômica garantem uma lua de mel temporária com o mercado. Mas, para manter o romance, o governo terá de agir com rapidez para promover reformas e melhorar os fundamentos econômicos enquanto o café ainda está quente.
O Brasil tem pressa. De olho no relógio, na sexta-feira 13, o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, se antecipou. Defendeu a adoção de medidas duras para mudar os rumos da economia e um ajuste fiscal com metas plausíveis que mostre a vontade real do País em gastar de acordo com a sua realidade. Não tornando sua dívida impagável em décadas. Para isto, porém, será preciso retirar subsídios e renúncias fiscais que comprometeram o caixa público. Sindicatos e partidos políticos favoráveis ao governo ainda resistem às alterações mais impopulares. O próprio (e necessário) ajuste fiscal ainda é um tema delicado à maioria. São em situações com esta que o novo presidente terá definido o seu lugar na história. Caso ceda, será mais um entre tantos nomes. Se for em frente, arriscando o capital político, poderá ingressar no seleto rol dos estadistas.
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