• Governo quer pacificar país com promessa de manter programas sociais
Isabel Braga e Leticia Fernandes – O Globo
Na semana em que Dilma Rousseff foi afastada da Presidência e o vice Michel Temer assumiu interinamente o comando do país, os dois lados adotaram falas diametralmente opostas. No poder, o PMDB se apressou em lançar um discurso conciliador, comprometendo-se a buscar o diálogo. Por sua vez, o PT, de volta à oposição após 13 anos, prometeu não dar trégua à gestão Temer.
O novo governo minimiza o poder de fogo do PT. Para eles, com a postura de diálogo adotada por Temer e o compromisso de manter os programas sociais, o discurso petista não deverá contaminar as classes mais baixas, tradicionalmente mais ligadas ao PT.
Coordenador de infraestrutura do governo e amigo íntimo do presidente interino, Moreira Franco disse que Temer tem que dar o exemplo e não responder a provocações que estimulem a desunião do país. E mostrar que respeita a opinião dos adversários:
— O presidente irascível gera irascibilidade. Tem que ter serenidade, tolerância, gosto pelo diálogo.
Moreira avalia que a sociedade saiu dividida na eleição de 2014, o quadro se acirrou com a crise econômica, e o governo Dilma Rousseff usou a divisão para desconstruir os adversários. Mesmo assim, ele diz que a polarização é da luta política e que mesmo o uso das expressões “coxinhas” e “mortadelas” faz parte do jogo. Ele minimiza a ameaça do PT de propagar que o governo é ilegítimo:
— Discurso político tem que ter fundamento. Não se sustenta em cima de mentira. Não há golpe.
Alberto Cantalice, vice-presidente do PT, disse que é “falácia” Temer pregar unidade nacional quando foi um dos protagonistas do que considera ser um “golpe”:
— Ele acaba de insuflar um golpe, dividindo claramente a opinião pública e quer falar em unidade nacional? Isso é falácia. Se ele quisesse união, não teria dado o golpe, e ele foi um dos principais conspiradores. Não vemos legitimidade nele para propor qualquer diálogo que seja.
O senador Humberto Costa (PT-PE), líder do governo Dilma no Senado, negou que o PT tenha construído o discurso de divisão do país, apostando na dicotomia do “nós” e “eles”. Para Costa, a esquerda mostrou que há uma elite no Brasil contrária a mudanças como a redução da desigualdade social.
— Nós nunca fizemos discurso de querer dividir o Brasil, colocamos apenas que de fato isso existe, que há uma elite no país que não quer reduzir a desigualdade social, que não aceita a inclusão de milhões de pessoas, e essas ideias vamos continuar defendendo. Nosso partido criou-se para isso, nosso projeto é esse. Nossa forma vai continuar resistindo.
Consultor da Arko Advice e próximo de Temer, o cientista político Murillo de Aragão diz que o discurso de que a sociedade está dividida é hiperinflacionado. Para ele, o PT, no governo Dilma, perdeu as ruas e tem hoje só o apoio de militantes de esquerda.
— A divisão já existia desde a eleição. A diferença agora é que muda de lado, o PT vai para a oposição e costuma crescer na oposição. Podem obstruir as votações, é papel da oposição. Mas não podem partir para a violência nas ruas porque isso vai jogar a população contra eles. Se radicalizarem perdem ainda mais densidade eleitoral.
Professor de História, ex-petista e deputado federal no quarto mandato, Chico Alencar (PSOL-RJ) diz que Lula não inventou a divisão de classes no Brasil, e que se fez programas voltados para os mais pobres, também não deixou de fazer políticas que agradaram os bancos. Alencar avalia que a divisão na sociedade continuará forte e que o governo de Temer será muito questionado.
— Temer vai realizar o programa do Aécio Neves, que não ganhou a eleição. Há um certo cansaço com as forças partidárias que polarizaram, mas independente de PT, PSDB, PMDB, vai haver conflito social, sem dúvida. Não conseguirá grande harmonia social. Foi uma mudança pelo alto, feita por um Congresso pouco representativo. O governo começa menos desgastado que o da Dilma, mas com crise latente — disse Alencar.
O tucano Jutahy Magalhães (BA) é mais otimista. Para ele, a radicalização tende a diminuir, mantendo-se no debate mais duro no Congresso:
— Há uma tensão artificial, criada pelo PT sobre a faixa de apoio e com afirmações de que o governo acabaria com os programas sociais. Na hora que isso não ocorrer, desmistificará o discurso. Temer irá enfrentar os de sempre, MST, UNE, como no passado. Não tem sociedade radicalizada, mas indignada com a corrupção. Queriam a saída do PT e agora querem que o novo governo dê certo.
Indagado se a decisão de Temer de indicar para os ministérios pessoas investigadas na Lava-Jato não levará a reação de parte da sociedade, o tucano afirmou:
— As pessoas querem olhar para frente, querem um novo governo para sair do buraco.
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