• Se o plano Meirelles não der certo o risco é de tudo dar errado
- Valor Econômico
A proposta de emenda constitucional que limita o crescimento do gasto público pretende congelar o valor real das despesas por tempo indeterminado. O projeto que o governo vai enviar ao Congresso em duas semanas tratará o teto como uma mudança constitucional permanente. Como não se trata de cláusula pétrea, a restrição durará o prazo necessário para cumprir seu objetivo de mudar a insustentável trajetória do endividamento público como proporção do PIB. Dito de outra forma, durará o tempo que for preciso para resgatar as condições de solvência do Estado.
Haverá punição legal para o agente público que estourar o teto de gasto e qualquer lei aprovada que ferir essa provável nova norma da Constituição deve ser vetada.
A despesa, que explodiu de 2008 para cá (47,7% de aumento real), será indexada à inflação do ano anterior. O ideal seria que a meta de inflação corrigisse o gasto público, como já sugeriram alguns economistas do setor privado, mas é preciso obedecer as condições políticas objetivas, segundo técnicos que estão elaborando a PEC.
Pensou-se, originalmente, em não ter duas metas - a do gasto e a de superávit primário. Embora a discussão não esteja concluída, considera-se no Ministério da Fazenda que não há problema em operar com mais de um objetivo.
Desde que a nova meta de resultado primário para este ano foi aprovada, na semana passada, há quem avalie que o déficit de R$ 170,5 bilhões está superestimado e quem, ao contrário, acredite que despesas inevitáveis não foram contempladas.
Para demonstrar o realismo das contas, os técnicos da área econômica prepararam dados que explicam como se chegou ao déficit de 2016.
Pelo lado da receita, a lei orçamentária contemplava arrecadação líquida de R$ 1,219 trilhão, com crescimento real de 9,3% sobre 2015. Agora, a receita líquida terá queda real de 2%. O aumento caiu de R$ 177 bilhões para R$ 50 bilhões.
Os maiores cortes foram feitos nas previsões de venda de ativos, que caíram de R$ 31 bilhões para apenas R$ 3 bilhões; de dividendos e participações, cuja projeção saiu de R$ 16,2 bilhões para R$ 5 bilhões; e das receitas administradas, que foram reduzidas de R$ 900 bilhões para R$ 805 bilhões, sendo que a não aprovação da CPMF representou R$ 12,7 bilhões a menos.
Pela ótica da despesa, a lei previa um total de R$ 1,19 trilhão, com aumento de R$ 36 bilhões no gasto público em relação a 2015 e queda real de 3,6%. O crescimento do gasto agora será de R$ 84 bilhões, sem queda nem aumento real. A despesa da previdência deve chegar a R$ 503 bilhões, R$ 11 bilhões a mais do que o previsto na lei do orçamento. O gasto com a folha de salários subiu para R$ 259 bilhões, R$ 5 bilhões a mais do que o esperado originalmente. E as despesas obrigatórias foram atualizadas em mais R$ 25 bilhões, para R$ 217 bilhões, dentre outras.
Esses dados constam do texto que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, usou para falar na segunda-feira a uma plateia de empresários na Câmara de Comércio França-Brasil. Não há previsão de capitalização de empresas estatais nas contas.
Para se ter ideia do efeito da PEC do gasto, a despesa pública da União chegaria em 20,9% do PIB em 2025, caso o ritmo atual de crescimento não seja interrompido. Com a limitação ela cairá para 16,8% do PIB em 2025, produzindo um ajuste de 4,1% do PIB na despesa no período.
Técnicos oficiais lembraram, porém, que Meirelles já deixou claro que pode ser preciso aumentar impostos. E um dos caminhos para isso, além de CPMF ou Cide, seria, por exemplo, fazer mais cortes nas desonerações de tributos concedidas pelo governo da presidente afastada, Dilma Rousseff. Há, também, um programa de venda de ativos que poderá render no futuro mais do que os R$ 3 bilhões previstos para este ano.
A variável chave para restabelecer a política de geração de superávits primários é o nível da atividade. Nesse sentido, os economistas do governo acreditam que o ápice da recessão será atingido neste primeiro semestre do ano e que, no segundo, haverá uma recuperação na margem, puxada pela ocupação da capacidade ociosa. Tudo funcionando conforme o roteiro previsto - aprovados o impeachment da presidente afastada e logo depois a PEC do gasto público - a recuperação cíclica seria seguida da reconquista da confiança e da expansão dos investimentos.
Assim, quanto mais rápida for a retomada da atividade econômica mais cedo virá o superávit primário. E quanto maior o superávit mais próxima estará a estabilidade da dívida/PIB. Se a intenção for acelerar a mudança na dinâmica da dívida, o governo terá que adotar medidas adicionais.
As seis iniciativas anunciadas por Meirelles na semana passada são prioritariamente voltadas para consertar as contas públicas. Além da PEC que congela o crescimento do gasto tem, ainda, a antecipação do pagamento do BNDES ao Tesouro Nacional de R$ 100 bilhões em três parcelas até 2018, que abate a dívida pública e gera economia de R$ 7 bilhões a título de pagamento de juros (dada a diferença entre o custo médio da dívida e a TJLP). A extinção do Fundo Soberano representa R$ 2 bilhões em venda de ativos. Outras medidas são a aprovação pelo Congresso de regras de governança dos fundos de pensão, combalidos por resultados negativos, perda de patrimônio e baixa rentabilidade, a flexibilização da participação da Petrobras nos investimentos do pré-sal e o compromisso de não aumentar os gastos com subsídios que atingiram quase R$ 60 bilhões no ano passado.
Para o governo esse não é um caminho, mas o "único" caminho para se conseguir uma redução estrutural da taxa de juros e o país voltar a crescer. A política monetária terá, se tudo der certo, um imenso campo para corte dos juros, que deve começar no segundo semestre.
Se o plano de Meirelles não der certo por alguma razão, como falta de apoio político para aprovar essas e outras medidas que virão para tratar da deterioração fiscal, o risco é de tudo o mais dar errado e este governo não terá outra chance.
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