sexta-feira, 15 de julho de 2016

A importância de ter um teto - Rogério Furquim Werneck

• Interinidade tem custado caro ao governo, como bem evidenciam as muitas medidas na contramão do esforço de ajuste fiscal

- O Globo

O recesso do Congresso, ao fim de um semestre especialmente tumultuado, dá ao país um momento de respiro para avaliar, com o realismo que se faz necessário, em que pé andam as coisas.

Sessenta dias após empossado, Michel Temer parece ter conseguido, afinal, com a escolha do novo presidente da Câmara, consolidar o amplo apoio parlamentar de que não poderá prescindir. E tem boas razões para comemorar o recrutamento de uma equipe econômica de excelente nível, que já lhe serviu para estender, em larga medida, o prazo normal de carência perante a opinião pública a que, nas circunstâncias, faria jus.


Como a tentativa de abreviar o processo de impeachment não teve êxito, o governo terá de esperar até o fim de agosto para deixar de ser interino. E a verdade é que a interinidade lhe tem custado caro, como bem evidenciam as muitas e custosas medidas na contramão do esforço requerido de ajuste fiscal a que, por insegurança, o Planalto tem preferido não se opor.

Em contraste com o que já se tornara hábito, a nova equipe econômica está empenhada em assegurar plena transparência na gestão das contas públicas. E, explicitada a real extensão do desequilíbrio fiscal, o que se vê é um quadro extremamente preocupante. Após ter anunciado uma meta de déficit primário de R$ 170 bilhões para 2016, o governo divulgou na semana passada que a meta para 2017 seria de R$ 139 bilhões. Mas para que o déficit possa ficar restrito a esse montante, o governo terá de gerar, no ano que vem, receitas extraordinárias, provenientes de privatizações, concessões e outorgas, de cerca de R$ 55 bilhões.

Fica claro, portanto, que o déficit primário recorrente com que o governo terá de lidar em 2017 é, de fato, da ordem de R$194 bilhões. Quase 3% do PIB! É esse o montante a ter em mente para aferir a magnitude do ajuste fiscal que terá de ser feito ao longo dos próximos anos. Para que a dívida pública, como proporção do PIB, deixe de crescer, e o controle sobre o endividamento público possa ser restabelecido, o déficit primário recorrente, de 3% do PIB, terá de ser convertido em um superávit primário de pelo menos 1,5% do PIB. O que exigirá um esforço de ajuste fiscal de 4,5% do PIB. Algo da ordem de R$ 300 bilhões.

Parte disso poderá advir do melhor desempenho da arrecadação que uma retomada moderada do crescimento propiciará. Mas, tendo em conta o vigor da resistência à elevação de impostos no país, o grosso do ajuste fiscal requerido terá de ser viabilizado por um esforço determinado e persistente de contenção de gastos.

A proposta de fixação de um teto para o dispêndio público, encaminhada ao Congresso, é um passo importante nesse sentido. Mas terá de ser complementada por um programa de reforma fiscal bem mais ambicioso, que proporcione à gestão do Orçamento a flexibilidade necessária para que o respeito ao teto possa ser assegurado da forma menos custosa possível.

A agenda desse programa de reforma fiscal vem sendo discutida há décadas. Além de mudanças nas regras de acesso a benefícios previdenciários e de medidas que possam conferir alguma margem de manobra à gestão da folha de pagamento, tal agenda terá de incluir desmantelamento, pelo menos parcial, do cipoal de regras de vinculação de receita e de indexação de dispêndio que têm agravado a rigidez de gastos no Orçamento.

Ainda não se sabe em que medida o governo Temer, no curto mandato que tem pela frente, conseguirá avançar nessa hercúlea agenda de reforma. Mas se, de fato, conseguir impor e manter o teto para o dispêndio público até o final do mandato, poderá engendrar um quadro de crescente desconforto com o atual regime fiscal, que tenderá a ser cada vez mais propício ao entendimento e ao avanço das reformas que se fazem necessárias.

A imposição de um teto para dispêndio a um Orçamento com tamanha rigidez do lado do gasto pode, afinal, dar ao Congresso inusitado senso de urgência na aprovação de medidas que possam atenuar essa rigidez.

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Rogério Furquim Werneck é economista e professor da PUC-Rio

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