• O poder público precisa dimensionar, com urgência, a extensão desse desafio, uma afronta ao estado democrático de direito, um risco para a sociedade
A denúncia de que milícias do Rio cobram uma espécie de pedágio a candidatos a cargos eletivos, chegando a pedir-lhes uma taxa de até R$ 120 mil para liberar a campanhas áreas sob seu domínio, era pedra cantada desde que esses grupos começaram a despertar para a participação direta no processo político-partidário. Há nessas quadrilhas um agravante que as distingue de outros grupos do crime organizado: elas são chefiadas por agentes públicos da área de Segurança, que atuam criminosamente, inclusive de dentro das instituições, sob o anteparo de suas prerrogativas funcionais.
A revelação, feita anteontem pelo GLOBO, se dá no rastro do assassinato do candidato a vereador Marcos Falcon, também presidente da Portela — a 14ª vítima de crimes numa campanha eleitoral violenta. O poder público precisa dimensionar, com urgência, a extensão desse desafio. A maneira acintosa como o crime organizado tem operado, com desenvoltura avalizada pela impunidade, sinaliza que as milícias, em particular, se sentem com liberdade para avançar sobre quaisquer áreas que lhes apareçam como oportunidade de negócios. Ontem, esses grupos se financiavam com atividades comezinhas, como venda de botijões de gás, transportes ditos alternativos etc.; hoje, estão ainda mais ativos em canais institucionais, como a participação em eleições, com seus métodos próprios, fora da lei. Qual será o limite deles?
Esta é uma pergunta cuja resposta a sociedade não quer esperar para obter. Órgãos de defesa do Estado, e não apenas estaduais, têm a obrigação de se antecipar, para evitar que tal questão venha a ser desvendada na forma de fatos consumados. Sinais desse deletério avanço do submundo do crime sobre as instituições não são poucos, sequer novos. Milícias no Rio já elegeram chefes criminosos para o Legislativo; essa nova faceta da promíscua relação com candidatos a cargos eletivos, com as taxas de segurança e o financiamento direto de campanhas, portanto, é decorrência da ampliação do poder desses grupos.
Esses dois mais recentes itens do catálogo das milícias não são resultado apenas de um movimento que, mais cedo ou mais tarde, neles desembocaria. Juntam-se, na atual conjuntura, elementos que contribuem para impulsioná-los. Caso, por exemplo, do aperfeiçoamento da sofisticada engenharia de lavagem de dinheiro, de que a corrupção dos esquemas lulopetistas que entraram no radar da Lava-Jato se beneficiaram. Tecnologia que, no âmbito do crime organizado, as milícias, com grandes ativos em dinheiro sem controle fiscal, devem usar com desenvoltura.
Há, também, as consequências da equivocada decisão, avalizada pelo STF, de se proibir o financiamento de campanhas por empresas. Alijada essa fonte — que, em vez de marginalizada, deveria ser regulamentada, com regras e fiscalização mais rigorosas —, é de se imaginar o canal que se abre para a entrada de dinheiro sujo nas eleições, o que não falta nos cofres milicianos. Como não faltará na indústria do jogo que o Congresso pode reabrir.
Não menos preocupante é a constatação de que o poder das milícias se estende, para além de Rio e São Paulo, a outros estados — trajetória também das quadrilhas do tráfico de drogas, estas, inclusive, com crescentes laços ligando-as a organizações criminosas internacionais. Tem-se, portanto, a questão pontual de grupos paramilitares fazerem dessas eleições uma das mais violentas da história do Grande Rio; e também, num âmbito mais amplo, a ação de grupos criminosos se espalhando por todo o país. Uma realidade inquietante. Enfrentá-los implica necessariamente recorrer a ações integradas de segurança. Não há alternativa.
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