Existem algumas normas da administração pública que causam perplexidade, pois carecem de sentido quando são analisadas em detalhe. Na semana passada, em entrevista ao Valor, o governador Geraldo Alckmin chamou a atenção para uma delas. O risco de crédito que o Tesouro Nacional atribui a São Paulo é pior do que de vários Estados com muito menor força econômica.
Para o Tesouro, o rating paulista é de C-, atribuído a Estados em situação fiscal muito fraca e risco de crédito elevado. "São Paulo tem rating pior que o do Acre", observou Alckmin. O governador alega que essa classificação é um dos obstáculos aos planos de investimento do Estado.
Por determinação legal, é atribuição do Tesouro analisar os pedidos de operações de crédito interno e externo feitos pelos Estados e municípios, antes da decisão final do Senado. Essa análise é fundamental, pois a maior parte dessas operações precisa ter aval ou garantia da União para que se realize. O Tesouro avalia a situação financeira e a capacidade de pagamento dos Estados e municípios.
A análise, atualmente, é feita em duas etapas. Na primeira, o Tesouro avalia oito indicadores fiscais do Estado ou município que pleiteou o crédito, com pesos específicos para cada um deles. O ente da federação é classificado de acordo com sua situação fiscal e o risco que o crédito representa para a União, que vai dar aval ou garantia. A classificação de crédito varia de A+ a D-.
No primeiro caso, a situação fiscal do Estado ou município é considerada excelente e o risco de crédito é quase nulo. No último nível da classificação (D-), o Estado é considerado em desequilíbrio fiscal. Atualmente, nenhum Estado está classificado com a nota "A". O Pará é o que tem o melhor rating (B+), seguido do Espírito Santos (B) e Roraima (B). O Rio de Janeiro e o Rio Grande do Sul estão em pior situação, com risco D.
A segunda etapa da análise do Tesouro considera os impactos da operação pleiteada no endividamento e no serviço da dívida do Estado ou do município. Essa etapa só ocorre quando o resultado da primeira foi de A+ a B-. Se foi de C+ até D-, o pleito é considerado não elegível, ou seja, a operação de crédito solicitada não será recomendada pelo Tesouro. Nesses casos, o ministro da Fazenda poderá, em caráter excepcional, e a seu critério, concordar com o pleito.
Como está classificado como C-, os pedidos de crédito de São Paulo, portanto, só podem ser aceitos em "caráter excepcional", a critério do ministro da Fazenda.
O governador Alckmin lembrou que São Paulo é avaliado com a nota "B" pelas agências internacionais de classificação de risco S&;P e Moody's e pelo BNDES. Bem acima, portanto, do rating do Tesouro. Ele criticou o fato de que o principal critério utilizado pelo Tesouro é o valor absoluto da dívida - que no caso de São Paulo é elevado - não importando sua geração de receita e sua capacidade de pagamento.
Hoje, a dívida corrente líquida de São Paulo corresponde a 1,7 vez a sua receita corrente líquida, estando, portanto, abaixo do limite definido por resolução do Senado. Além disso, o governo paulista vem registrando superávit primário em suas contas. Dados apresentados por Alckmin mostram que, mesmo com a crise, a evolução da receita de São Paulo está em linha com a evolução da despesa, ao contrário do que ocorre com a própria União, que registra queda de arrecadação e aumento do gasto obrigatório.
Na sexta-feira, em audiência com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, solicitou uma mudança no rating de São Paulo. No mesmo dia, a secretária do Tesouro Nacional, Ana Paula Vescovi, informou que o órgão vai propor uma nova metodologia de avaliação da capacidade de pagamento dos Estados e municípios. Nesta semana, segundo a secretária, vai ser estabelecido um grupo de trabalho que definirá tecnicamente uma consulta pública. Vescovi acredita que é possível chegar a um consenso sobre um novo sistema de classificação de risco de Estados e municípios no início do próximo ano, quando o Tesouro pretende colocá-lo em prática.
Como envolve avaliação para que a União possa conceder aval ou garantia a empréstimos aos Estados e municípios, é necessário que o novo sistema esteja assentado em sólidas bases técnicas. Mas as novas regras precisam estar em sintonia com a realidade fiscal dos entes da federação e fazer sentido.
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