Renan Calheiros virou réu, acusado do crime de peculato no Supremo Tribunal Federal (STF). É notícia que não surpreende ninguém, considerando tanto o rico histórico do soba alagoano em investigações policiais como o fato de que o processo em questão tramita na Suprema Corte há inacreditáveis nove anos. Esta circunstância insólita, por sua vez, chama a atenção para outra aberração incrível que é a espantosa morosidade da Justiça brasileira, problema que, aliás, foi tratado, à margem do julgamento de quinta-feira passada, com zeloso espírito de corpo, por três ministros, entre eles a presidente da Corte, Cármen Lúcia.
Sobre Renan Calheiros, o que se pode dizer é que é o retrato perfeito e acabado da grave enfermidade ética e moral que coloca o Parlamento brasileiro na contramão de sua missão constitucional de representar os eleitores – e, no caso do Senado, as unidades da Federação – na discussão e aprovação de leis e na fiscalização do Poder Executivo. O presidente da Câmara Alta é hoje um dos exemplos mais óbvios do político que usa seu poder primordialmente em benefício próprio e de seus cupinchas. Foi o que ficou mais uma vez demonstrado esta semana com a tentativa frustrada de Calheiros de aprovar o regime de urgência para a tramitação do projeto anticorrupção que menos de 24 horas antes havia sido aprovado pela Câmara dos Deputados.
O presidente do Senado, agora réu no STF, é indiciado em outros 11 processos que tramitam naquela Corte, a maior parte deles ligada à Operação Lava Jato. Mas muito antes de a polícia, o Ministério Público e a Magistratura federal se terem articulado, há pouco mais de dois anos e meio, para operar a ampla faxina no aparelho estatal dominado pela corrupção elevada à condição de método político pelo lulopetismo, Renan Calheiros já se exercitava alegremente na prática de iniciativas ética e moralmente questionáveis. Tanto que as mesmas investigações que resultaram, finalmente, em sua transformação em réu, obrigaram-no, em 2007, a renunciar à mesma presidência do Senado que hoje ocupa, como resultado de um acordo que lhe salvou o mandato.
Só mesmo uma grave doença moral poderia explicar que o Senado elegesse para presidir os seus trabalhos uma figura como Renan Calheiros, depois de tudo o que ocorreu em 2007.
A impunidade de maus homens públicos, que no mais das vezes nem chegam a ser levados à barra dos tribunais, tem forte aliado numa das maiores deficiências institucionais do País, a aparentemente insanável morosidade da Justiça. Essa morosidade, além de ser inestimável aliada de criminosos de colarinho branco, prejudica a população em geral que, ao contrário dos espertalhões bem situados, geralmente têm pressa em ver suas pendências judiciais dirimidas.
Renan Calheiros tornou-se réu sob a acusação de ter desviado recursos do Senado para ressarcir uma empreiteira que teria pagado a pensão de uma filha que tem fora do casamento. No julgamento, a questão da morosidade da Justiça acabou vindo à baila. O ministro Teori Zavascki, relator da Lava Jato no STF, explicou que praticamente a totalidade da centena de processos que estão sob sua responsabilidade não se encontra em seu gabinete, mas nas mãos de policiais e procuradores envolvidos nas respectivas investigações de campo. O ministro estaria, assim, apenas esperando a conclusão das investigações para se manifestar sobre o prosseguimento ou não dos respectivos processos.
É claro que a necessidade do aprofundamento de investigações pode resultar em demora na conclusão de processos criminais. Isso no âmbito de mais alta instância, que é o STF. Imagine-se a que passo andam investigações que não são presididas por integrantes da cúpula da Justiça. Mas, se o Supremo não consegue administrar com eficácia o gravíssimo problema da morosidade, tomando a iniciativa de propor e executar medidas para pelo menos minimizar o problema, quem é que terá condições de fazê-lo? Transferir responsabilidades não é o melhor caminho.
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