- O Estado de S. Paulo
Envolta em desordem e regresso, nossa República faria jus à realidade atual se adotasse como dístico o provérbio sobre os tempos de murici. Neles, cada um cuida de si. Fora de cogitação o recurso ao lema “e Deus por todos”. As divindades representadas nas figuras do ex-presidente Lula e da presidente Dilma encontram-se indisponíveis para a tarefa, enredadas que estão cada qual com seus problemas.
Fruto do muricizeiro, árvore resistente a solos áridos e atmosferas de baixa umidade, Murici é também o nome do município alagoano onde manda e desmanda a família Calheiros, berço político do presidente do Senado que poderá se tornar réu de ação penal por peculato, falsidade ideológica e uso de documentos falsos, em decorrência da denúncia oferecida há três anos pela Procuradoria-Geral da República e na semana passada liberada para votação no Supremo Tribunal Federal.
Alvo da operação Lava Jato, cujos investigadores procuram provas de participação no esquema de corrupção na Petrobrás, Renan Calheiros responde agora a acusações datadas de 2007 sobre a concessão de favores legislativos em troca do pagamento da pensão de uma filha pela empreiteira Mendes Júnior.
Seu companheiro de partido e de comando no Congresso, o presidente da Câmara, Eduardo Cunha, também está sob o risco de se tornar réu no Supremo. Segundo o ministro Teori Zavaski, é possível que a denúncia contra ele por corrupção passiva e lavagem de dinheiro seja votada ainda neste mês, antes mesmo do exame do pedido da PGR de afastamento do cargo por suspeita de obstrução dos trabalhos do Conselho de Ética da Casa.
Assim, temos no horizonte a hipótese concreta de o Poder Legislativo vir a ser comandado por dois réus em ações criminais. Ambos integrantes da linha de sucessão direta da Presidência da República. Nunca se viu nada parecido neste País. Não fosse essa situação já bastante grave, ao cenário acrescentam-se duas frentes de questionamento sério à presidente da República por irresponsabilidade fiscal e supostas irregularidades no financiamento de campanha eleitoral, e a entrada de Luiz Inácio da Silva no radar das autoridades como investigado pela Polícia Federal e pelo Ministério Público em São Paulo (o tríplex) e no Distrito Federal (tráfico de influência).
O Palácio do Planalto dá notícia de um plano de “blindagem” de Lula, com mobilização de parlamentares para o contra-ataque nas tribunas do Congresso, escalação de petistas para pedir “respeito à história” do ex-presidente e criação de CPIs para intimidar a oposição. Esforço inútil. Comissões de inquérito perderam a eficácia de tanto serem desmoralizadas e os integrantes de antiga tropa de choque estão, em boa medida, no rol dos investigados (no PT e outros partidos aliados).
O governo nada pode fazer em prol dos seus, Lula em particular, a fim de não fazer com que a crise sente praça de uma vez por todas no Palácio. Na primeira manifestação de um porta-voz da defesa, o ex-ministro Gilberto Carvalho não encontrou argumento melhor que o de considerar “a coisa mais natural do mundo” o ex-presidente receber de presente de uma empreiteira responsável por grandes obras em seu governo uma reforma completa numa propriedade rural a fim de proporcionar a Lula maior conforto em seus momentos de descanso e lazer.
Tal elogio à naturalidade diz muito a respeito do conjunto da obra dos governos petistas, ora em processo de investigações tendo o próprio Gilberto Carvalho como um dos alvos. Por essas e várias outras não há, nessa conjuntura, quem possa salvar alguém sem correr o risco de produzir um abraço de afogados no lodaçal de muricis.
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