- O Globo
Não sei se ela descobre essas coisas olhando pro Sol mas, na televisão, Maju sabe quando vai chover. Às vezes, diz que vem chuvica
A exuberante bagunça do carnaval, empurrado até o início de um março sem muito caráter, anuncia o princípio do fim de mais esse verão. Espero que com blocos felizes na rua e a vitória da Portela.
O verão gosta de reinar absoluto, de impor seu brilho que não se apaga, a grandeza de seu esplendor. Mas o verão tem pressa. Ele não passa lento e sonolento, como o infindável inverno. Nem com a delicadeza de moça saltitante, do jeito que gosta de pular a primavera. Muito menos suspirante e bem alimentado, feito o outono barrigudo. O verão passa ligeiro, mesmo quando o tempo é longo, prisioneiro do calor de seu corpo e de suas emoções. O verão também cansa.
Depois de quase três tórridos meses, o verão se abana, e o vento que seu leque sopra balança os galhos mais frágeis das árvores desprevenidas. Assim nos toca sua música de despedida, uma canção que volteia entre a elegância eterna de Antonio Carlos Jobim e a esperteza sazonal do MC G15, cada um com sua onda célebre.
Outro dia, um gavião, no fim da tarde, pousou ao sol na janela de minha sala, no escritório em que trabalho, no Centro da cidade. Não sei se o devo ao verão, que talvez pratique inconsistências com gaviões ao pôr do sol. Ou terá sido um falcão? Uma águia? Ou uma albergália? Não, era pequeno demais e ainda cedo para ser uma albergália, ave noturna de impalpáveis penas que Jorge de Lima inventou. Talvez não passasse de um superlativo pombo de cores extravagantes; mas garanto que era alguma coisa potente e inusitada que sabia voar, não me enganaria num fim de tarde tão claro de verão. O verão pode nos trair, mas não nos engana nunca.
De onde frequento a praia, o sol, no auge de sua forma estival e em busca de aplausos, se atirava no mar por trás de umas ilhas, bem pra lá da curva na extremidade da Avenida Niemeyer. Aos poucos, ele foi se aquietando. Hoje se deita, sem forças para chegar mais longe, entre os picos dos Dois Irmãos, ali na montanha em movimento onde Chico Buarque disse que, quando vai alta a madrugada, vão se encostar os instrumentos. De tão cansado de brilhar o dia inteiro, o Sol ainda se esconde atrás da lua por umas horas da manhã, como no eclipse que os jornais anunciam para este domingo.
Não sei se ela descobre essas coisas olhando pro Sol mas, na televisão, Maju sabe quando vai chover. Às vezes, diz que vem chuvica, e o verão não acredita. Ou não quer que seja assim. E, só de sacanagem, surpreende Maju com sua franca gargalhada de muitos mililitros, um desrespeito à meteorologia e à ciência em geral. Linda, elegantérrima, Maju sofre altiva em suas mãos. O verão se embevece, mas não obedece, o verão não esmorece.
Agora, já não tem forças para enfrentar as correntes no oceano e desmentir Maju. O verão sossega, dorme um pouco mais, deixa o dia escurecer mais cedo e dá passagem ao outono que se aproxima preguiçoso, sem pressa. A se arrastar na senilidade da estação, o verão resiste pra não perder o carnaval que chega tarde, mas sempre chega. Ele sonha com os sete planetas de anos mais curtos, que a Nasa descobriu em torno da pequena estrela Trappist-1. Para onde, quem sabe, podemos um dia fugir, se a barra por aqui pesar.
E o verão trôpego cai na gandaia: branca é branca, preta é preta, mas a mulata é a tal.
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Hoje tem Oscar. E, aproveitando o Oscar, vamos falar de cinema brasileiro.
O último Festival de Berlim, um dos eventos cinematográficos mais importantes do mundo, confirmou a pujança artística do cinema brasileiro, com 12 de nossos filmes selecionados em diversas sessões. Enquanto isso, aqui em casa, “Minha mãe é uma peça 2” confirma o desejo do público brasileiro de ver filmes brasileiros, batendo a bilheteria de “Star Wars” e produções da Disney. Não importa que os filmes de Berlim não tenham nada a ver com o “Mãe 2”. Pelo contrário, é por essa diversidade que torcemos, para que nosso cinema fique cada vez mais parecido com o próprio Brasil.
Falta só parar de empurrar para dentro do cinema as questões que alimentam o simplismo idiota da política militante no país e sua polarização burra, comandada pelo desrespeito e pela intolerância, pela incapacidade de conviver com a diferença. Como disse o próprio Marcelo Gomes, o cineasta de “Joaquim”, nosso filme na competição oficial de Berlim, é preciso acabar com esse Fla-Flu insano.
A sucessão da Ancine não pode dar em briga cega de foice, fratricídio explícito, com gente supondo o que não foi dito. A experiência da agência, nesses últimos anos, gerou um sistema que é, em grande parte, responsável pela diversidade e pelo sucesso a que nos referimos acima. Agora é preciso atualizá-la, corrigir o que não andou tão bem e o que está francamente errado. Toda política pública é sempre uma obra em aberto, um trabalho em permanente progresso, que deve acompanhar as necessidades de todos naquele momento. O resto é exibicionismo infantil. Duelo passional de vida ou morte, em vez do debate sensato sobre o que é melhor para a atividade.
*Cacá Diegues é cineasta
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