- Valor Econômico
Doria e Haddad podem voltar a se encontrar em 2018
"Naquele jantar, num clique de olhar, Lucília encontrou o amor de sua vida. Olha daqui, olha dali, o clique do amor nasceu naquela noite, uniu Lucília e Trabuco e acelerou. Fico feliz por vocês dois. Minha amiga, você encontrou uma pessoa maravilhosa para completar seu coração". Recepcionado pela dona da casa como a "esperança do Brasil", João Doria retribuiu à altura, no papel de padrinho daquela união surgida durante a campanha eleitoral. De cima de um sofá, para melhor enxergar sua plateia, tinha um tapete Aubusson por pano de fundo: "Estou amando ser prefeito e trabalhando loucamente. Tem gente que até emagreceu porque não dormimos no ponto. É o spa do Doria".
A empresária e o presidente do segundo maior banco privado do país, Luiz Trabuco, viúvo há quase quatro anos, receberam à entrada de sua casa os convidados do jantar oferecido ao prefeito de São Paulo. Ao lado de Geraldo Alckmin, Doria encenou o número que já virou um clássico na política paulista. Trocam elogios mútuos e anunciam o evento de que participarão juntos às 7h da manhã do dia seguinte. O prefeito jura que o governador é seu candidato ao Palácio do Planalto em 2018, mas é a ele que se dirigem os gritos de 'presidente' de diferentes lugares da plateia.
O governador prossegue na lida. Na melhor de suas hipóteses, ainda pode vir a ser candidato nem que seja ao Senado. Na pior, vê o aliado candidatar-se a presidente da República e tem a garantia de que seu grupo político manterá, pelo menos, a Prefeitura de São Paulo, que seria assumida pelo vice Bruno Covas. Ignorar a viabilidade da candidatura João Doria, a esta altura, é correr o risco de ser alijado do jogo. A presença de meia dúzia de seus secretários na festa não deixou dúvidas de que o grupo tende a distribuir os ovos para minimizar os riscos.
A casa cheia da irmã do empresário Abílio Diniz, a poucos metros de onde mora o prefeito, não deixou dúvidas de que a candidatura é imbatível no coração do Jardim Europa. A lista marcou 340 presenças bronzeadas, de advogados e publicitários a Bruna Lombardi, circulando entre mesas de sushi e bandejas de Veuve Clicquot, mas lá estavam também empresários da indústria (Jorge Gerdau Johannpeter e Walter Torre), do agronegócio (Rubens Ometto), do varejo (Carlos Jereissati Filho, Luiza Trajano, Flávio Rocha, Sonia Hess e Sidney Oliveira) e de serviços (Chieko Aoki e Carlos Wizard Martins).
Jair Ribeiro (Indusval) e Manuel Tavares de Almeida (banco luso-brasileiro) pareciam os únicos parceiros do banqueiro anfitrião. Mas a propaganda eleitoral gratuita que o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles, fizera das convicções pró-reforma de Doria durante evento do Instituto Internacional das Finanças, na Alemanha, semana passada, não deixou dúvida de que o setor já fez sua escolha. Ao descer do sofá, o prefeito comentou a decisão do presidente Michel Temer de, horas antes, retirar servidores públicos estaduais e municipais da reforma da Previdência. Manteve um pé em Frankfurt e o outro, em Brasília: "É preocupante porque o país precisa dessa reforma, mas talvez tenha sido o passo necessário para aprová-la".
Fala com a convicção de que seus pares ganharam, finalmente, um nome para chamar de seu. Gerdau parecia à vontade. "É o que temos. Não tenho dúvida de que chegará lá". Flávio Rocha, da Riachuelo, cuja candidatura à Presidência chegou a ser cogitada pelo Partido Novo, também já aderiu. Com um óculos de leitura pendurado numa corrente de ouro que desce até a altura do terceiro botão da camisa, fez reflexões sobre a teoria do eleitor mediano, do matemático americano Harold Hotelling, para sustentar a tese de que a candidatura Doria vai pegar. O publicitário Nizan Guanaes não se continha em entusiasmo com aquele que diz ser o nome mais aparelhado para enfrentar o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva - "Ninguém aguenta mais tanto Estado".
Dois dias antes, num evento a 3 mil quilômetros dali, o adversário que Doria pediu ao papai noel do Shopping Iguatemi, também fez um comício. Lula foi até a Paraíba para faturar a transposição do São Francisco. Foi ovacionado como candidato a presidente por uma multidão de 50 mil pessoas que enfrentou o sol do sertão para vê-lo. Naquele palanque, ficou claro que o ex-presidente tem um plano B para a eventualidade de não poder disputar. Na escala judicial, Lula e Trabuco estão um degrau acima de Alckmin porque já se tornaram réus, um em cinco processos na Lava-jato e adjacências, e o outro, na Zelotes. Se condenado, o petista vira cabo eleitoral para plateia distinta daquela reunida pelo presidente do Bradesco no Jardim Europa.
No sertão paraibano, Lula não deixou dúvidas de que o ex-prefeito Fernando Haddad é seu plano B. Tem cada vez mais a convicção de que o PT não engole Ciro Gomes. A última do ex-governador cearense foi tentar tirar do partido o atual governador, Camilo Santana. Ministro que iniciou as obras do canal, Ciro não pisou naquela inauguração. Haddad, que foi convidado por Lula a acompanhá-lo no jatinho fretado pelo PT, foi citado três vezes no discurso do ex-presidente. Mais tucano dos petistas, Haddad pode vir a ser servido como coxinha para agradar aos paladares eleitorais da temporada.
O fortalecimento do ex-ministro Alexandre Padilha para compor a direção do PT é um sinal de renovação que pode vir a facilitar a aceitação do ex-prefeito de São Paulo como cabeça de chapa. Esta nova direção teria a incumbência de buscar um vice. Ao contrário daquele que vier a compor com Doria, o de Haddad não precisaria ser do Nordeste. Lula preenche o vácuo. Dentro ou fora das grades. Cotado para vice de Doria, o prefeito de Salvador, Antonio Carlos Magalhães Neto, precisaria abrir mão da candidatura ao governo da Bahia.
Os dois paulistanos teriam que varrer o mapa para compor com o Brasil e manter a chapa a salvo de operações policiais. Fizeram transição amigável. Persistem com visões conflitantes sobre a gestão da cidade, mas recuos como o de Temer na Previdência desagradam a ambos. Nenhum deles tem a fórmula para fazer avançar a reforma que desejariam. Lançados para a vida pública por partidos carcomidos em seu núcleo paulista, Doria e Haddad são sintomas de uma federação em crise, que, dos tapetes Aubusson ao cimento sertanejo, custa a se reinventar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário