quinta-feira, 23 de março de 2017

Janot fala em ‘disenteria verbal’ em resposta a críticas de Gilmar

Na véspera, ministro do STF havia dito que vazamentos de delações eram crime

Jailton Carvalho, Juliana Castro | O Globo

-RIO, BRASÍLIA E SÃO PAULO- Num dos mais fortes discursos desde o início de sua gestão, o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, reagiu ontem às críticas do ministro Gilmar Mendes, do Supremo Tribunal Federal (STF), que anteontem acusara o Ministério Público Federal de fazer vazamento criminoso de nomes citados na Lava-Jato. Janot acusou Gilmar de sofrer de “decrepitude moral” e “disenteria verbal”.

O procurador fez as críticas em resposta à acusação do ministro de que procuradores teriam convocado uma entrevista coletiva na semana passada em off — quando a autoridade pede para não ser identificada — com o objetivo de vazar nomes dos políticos citados na delação da Odebrecht. Janot disse que Gilmar apontou o dedo contra o Ministério Público, mas se omitiu sobre o uso do off no Palácio do Planalto, no Congresso Nacional e no próprio STF.

— Não vi uma só palavra de quem teve uma disenteria verbal a se pronunciar sobre essa imputação ao Palácio do Planalto, Congresso Nacional e Supremo Tribunal Federal. Só posso atribuir tal ideia a mentes ociosas e dadas a devaneios. Mas, infelizmente, com meios para distorcer fatos e instrumentos legítimos de comunicação institucional — disse o Janot, ontem, no encerramento de encontro de procuradores regionais eleitorais na Escola Superior do MP.

Janot não mencionou o nome de Gilmar, mas fez uma série de referências que não deixam dúvidas sobre o alvo. As informações sobre a suposta coletiva foram divulgadas pela imprensa no domingo e replicadas por Gilmar anteontem à tarde no STF. Para Janot, o ministro preferiu direcionar os ataques ao MP e omitiu, de forma deliberada, as menções ao uso do off no Palácio, no Congresso e no Supremo.

Para o procurador-geral, a seletividade da crítica teria como propósito a deslegitimação das investigações sobre a corrupção no meio político. Janot insinuou ainda que Gilmar estaria tentando nivelar todas as autoridades, atribuindo aos procuradores conduta que, na prática, seria dele: chamar jornalistas para conversas reservadas e, com isso, divulgar informações sigilosas.

— Ainda assim, meus amigos, em projeção mental, alguns tentam nivelar a todos à sua decrepitude moral e, para isso, acusam-nos de condutas que lhes são próprias socorrendo, não raras vezes, da aparente intangibilidade proporcionada pela eventual posição que ocupa na estrutura do Estado — afirmou Janot.

O procurador reprovou ainda o fato de Gilmar participar com frequência de jantares no Palácio do Planalto. O ministro é presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), onde tramita processo sobre supostas irregularidades na prestação de contas da chapa Dilma-Temer de 2014.

— Procuramos nos distanciar dos banquetes palacianos. Fugimos dos círculos de comensais que cortejam desavergonhadamente o poder público e repudiamos a relação promíscua com a imprensa nacional ou internacional — disse Janot.

Na terça-feira, antes de uma sessão da Segunda Turma, Gilmar acusou a PGR de vazar informações sigilosas da Lava-Jato e da Operação Carne Fraca. O ministro disse que a prática é crime de violação de sigilo funcional e deveria ser investigada:

— Quando praticado por funcionário público, vazamento é eufemismo para um crime que os procuradores certamente não desconhecem.

Coordenador da força-tarefa da Lava-Jato, Deltan Dallagnol, disse que propostas de anulação de delações vazadas “não têm pé, nem cabeça”.

— Apesar da possível boa-fé de eventuais defensores da ideia, anular colaborações porque os depoimentos vazaram não é razoável por abrir espaço para o esvaziamento do instrumento da colaboração — disse ele, sem citar Gilmar.

LIBERDADE DE EXPRESSÃO E LIMITES
O bate-boca levantou dúvidas sobre os limites institucionais tanto de Gilmar quanto de Janot. Thiago Bottino, professor da FGV Direito Rio, lembra que a liberdade de expressão é ampla, geral e irrestrita.

Mas certas atitudes podem ser evitadas: — Juízes e integrantes do MP deveriam ser mais contidos na imprensa. Espera-se que essas pessoas não falem no jornal, mas no processo. Deveriam se preservar mais, são lados da mesma moeda. Professora de Direito Constitucional da USP, Monica Herman Caggiano diz que o Supremo tem perfil político, resultado da indicação dos ministros pelo presidente da República, mas abusos podem ser punidos: — Excessos são passíveis de serem penalizados e isso é por via do impeachment, que segue o processo como foi o de Dilma Rousseff.

No Conselho Nacional de Justiça (CNJ), também pode haver punição, mas é difícil. O PGR também poderia sofrer sanções por estar subordinado a um estatuto. (Colaborou Gustavo Schmitt)

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