- O Estado de S. Paulo
Hoje, nada é mais valioso na política do que eleger quem será lavado em público
Pior do que os vazamentos seletivos só mesmo os crimes selecionados. Num país onde esquemas ilícitos são regra, a mera escolha de qual deles vai ser investigado e receberá a atenção do público é, por consequência, um ato político. Na semana em que se conheceriam as delações dos empreiteiros, os boiadeiros viraram os vilões da vez. Sai Lava Jato, entra Lava Vaca. Hoje, nada é mais valioso na política do que determinar a agenda – e eleger quem será lavado em público a cada ciclo noticioso.
Nos dias em que deveria desvendar os miúdos e graúdos do poder brasiliense, a Lava Jato foi muito mais notícia pelas críticas que recebeu do que pelos fatos que revelou. Não sem motivo. Os investigadores se esmeraram em atravessar a rua para escorregar em cascas de banana. Fizeram “coletiva em off” para vazar investigação ainda sigilosa, e, ironicamente, pressionaram blogueiro para descobrir a fonte de um outro vazamento.
Na competição pelo interesse do público, a Operação Satélites atingiu astros da política nacional, mas perdeu as manchetes para a reclamação de ministro do Supremo contra vazamentos – que atribuiu à Procuradoria-Geral da República – e sua ameaça de invalidar uma seleção de depoimentos de empreiteiros que entregam os morubixabas de Brasília. Foi meio truco meio xeque, mas deu certo: tirou a picanha do prato dos procuradores.
Na zoeira que mistura a podridão da Carne Fraca com o cimento superfaturado da Lava Jato tudo vira ruído e pouco sobra de significado concreto, além da impressão genérica de corrupção geral. Nessa explosão de fatos e versões, é muito mais fácil ocultar um indivíduo na multidão do que em um porão. Assim, o ministro da Justiça vai escapando de ter chamado de “grande chefe” e defendido quem seus subordinados da Polícia Federal acusam de comandar a corrupção no Ministério da Agricultura.
Se as investigações já competem entre si pelos olhos do público, qual a chance de mais alguém, além dos diretamente interessados, prestar atenção a uma discussão técnica, aborrecida e importante como o debate sobre se o voto para o Legislativo deve ser em lista ou nominal? Quem ainda lembra da acusação de que o ministro-chefe da Casa Civil mandou empreiteiros suspeitos entregarem R$ 1 milhão no escritório do amigo do presidente? Quem ouviu falar da carne fria quando só se fala em Carne Fraca?
Uns já saíram da agenda, outros nem sequer entraram. É natural que seja assim. A atenção humana é limitada, e a capacidade de processamento do cérebro é um milionésimo da quantidade de dados com os quais ele é bombardeado diariamente. Ignorar e selecionar é a única alternativa para não enlouquecer. Mas nem toda seleção é feita pelo indivíduo. Na maior parte, é terceirizada para algoritmos do Facebook, para editores de notícias (cada vez menos) e para suas fontes de informação (cada vez mais).
A briga para determinar a agenda pública acaba sendo, no fim das contas, a única que importa. O atual detentor do título de campeão mundial da modalidade é Donald Trump. Ele desenvolveu uma capacidade imbatível de chamar a atenção e desviá-la sempre que precisa. Faz isso várias vezes ao dia por meio do Twitter, de caras e bocas em “photo ops” ou de bonecos de ventríloquo.
No Brasil, a competição pelo microfone é feroz entre policiais federais, procuradores, juízes de primeira instância e ministros do Supremo. Já os parlamentares, corruptores e governo preferem o silêncio. Estimulam o ruído alheio para embaralhar a comunicação. Ao mesmo tempo, cuidam para que a agenda que lhes é negativa perca evidência, deixe de ser prioridade e caia no esquecimento. Soterrar é muito mais eficiente do que censurar.
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