Há boas chances de que a reforma da previdência encaminhada pelo Executivo seja aprovada, apesar dos ventos contrários da baixa popularidade do presidente Temer e dos vastos estragos na reputação do Congresso que a divulgação das delações de executivos da Odebrecht certamente trarão. O momento, porém, deixou de ser uma escolha do governo desde que aprovou o teto de gastos por 10 anos. O teto desabará em poucos anos se o déficit previdenciário não for contido. Políticos que apoiaram o teto procuram amortecer ou desfigurar as propostas, rompendo a lógica óbvia de que o limite que aprovaram antes exige depois uma reforma do sistema previdenciário ampla, séria e justa.
As contas da previdência colecionam déficits sucessivos e crescentes. Um argumento dos que se opõem à proposta do governo é o de que a Seguridade Social (Previdência, saúde e assistência social), seria superavitária se a ela fossem alocados os recursos da Desvinculação Receita da União e das desonerações. Mas fazendo as contas, mesmo contando com esse dinheiro o déficit da Seguridade cairia de R$ 257 bilhões para R$ 106 bilhões (Valor, 16 de fevereiro).
A previdência vai afundar mais no vermelho porque a tendência demográfica está mudando rapidamente, em direção ao envelhecimento da população, e, mantidas as atuais condições, o déficit será insustentável. As despesas previdenciárias mais as do benefício de prestação continuada e Loas consumirão este ano 55% dos gastos primários da União, em comparação aos 13% da saúde e 3% dos investimentos no PAC.
Mais ainda, o nível atual dos gastos já é alto. Segundo estudo de Pedro Nery, da assessoria parlamentar do Senado, as despesas do país em relação ao PIB são equivalentes às da Alemanha, onde a proporção de velhos é bem maior. A reforma proposta pela PEC 287 visa impedir crescimento explosivo das despesas, mas não o aumento, que parece inexorável. Pedro Nery, consultor legislativo do Senado, calcula que, sem reforma, a Previdência consumirá 77% das despesas primárias em 2026 e 109% dez anos depois. Com as mudanças sugeridas, atingirá 60% em 2021 e 66% em 2026.
O sistema, além de consumir muito dinheiro, é injusto. Os 450 mil beneficiários do setor público recebem aposentadoria média de R$ 7.550, enquanto que 3,7 milhões de aposentados urbanos retiram em média R$ 1.100. Quem mais ganha em geral para de trabalhar mais cedo, optando pelos anos de contribuição, e sua média de benefício é de R$ 2.300, enquanto que os pobres, que encaram a informalidade durante boa parte de sua vida profissional, se aposentam por idade e levam para casa, em média, R$ 1.100.
Um pilar principal da PEC é a idade mínima para aposentadoria, de 65 anos. Só 12 países não a adotam, em geral os de renda menor que a do Brasil, com exceção da Arábia Saudita e Luxemburgo. A idade mínima visa corrigir a distorção de que homens com 35 anos de contribuição, pela expectativa de vida aos 60 anos, usufruem da aposentadoria por 24 anos mais, enquanto no caso das mulheres, ambos se igualam em 30 anos (dados da assessoria do Senado). Discute-se idade menor para mulheres, que existe em alguns países, com pequena diferença de um par de anos.
Muitos congressistas não gostaram da regra de transição, que obriga os homens maiores de 50 anos e mulheres com mais de 45 anos a trabalharem por mais 50% do tempo que resta para terem direito à aposentadoria pelas regras atuais e querem suavizá-la. Propuseram escala ano a ano de prazos para quem entrou no mercado de trabalho a partir de 1990.
Um terceiro ponto alvo de emendas é o do cálculo do valor das aposentadorias, que partiria de 50% do teto mais 1% por ano de contribuição - isto é, o teto seria atingido apenas por quem contribuísse por 49 anos. O presidente Temer disse que pela regra proposta, 63% receberão salário integral na aposentadoria, mas são os que ganham o salário mínimo, para quem teto e piso são a mesma coisa. A dureza da regra parece já pressupor um espaço para barganhas.
A negociação com o Congresso, segundo definido pelo governo em reunião com líderes partidários, definiu apoio com menor número possível de mudanças, se houver. Necessária, a reforma previdenciária será a maior batalha do governo Temer. Derrota ou meia vitória, com muitas concessões, trarão de volta os temores sobre a solvência fiscal do Estado, com reversão de expectativas capaz de abortar o lento e tímido processo de recuperação da economia.
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