quarta-feira, 15 de março de 2017

A lista esconde - Merval Pereira

- O Globo

Proibida a doação eleitoral por empresas pelo Supremo Tribunal Federal e inviabilizada pelos escândalos que estão sendo revelados desde o mensalão e que agora, no petrolão, ganharam detalhes perversos de utilização dos mecanismos institucionais da democracia para lavar o dinheiro das propinas oriundas de verba pública, a política ficou sem meios de se financiar. E fazer campanha eleitoral custa caro em qualquer lugar do mundo.

Somente os candidatos a deputado federal nas últimas eleições declararam doações no valor total do Fundo Partidário para todos as legendas, o que significa que faltaria dinheiro para financiar os demais candidatos a todos os cargos eletivos, inclusive presidente da República.

É essa constatação que está levando à conclusão de que somente uma escolha com lista fechada de candidatos, financiada por verba pública, pode viabilizar a eleição de 2018 que, sem isso, ficaria à mercê do dinheiro ilegal, venha de onde vier.

O sistema de lista fechada, no qual os candidatos são elencados pelos partidos, mas os eleitores votam apenas na legenda partidária, era o sonho do PT na época do pós-mensalão, e, com maior razão ainda, nos dias de hoje. Um detalhe sintomático aparece nas propostas em estudo: a garantia das “candidaturas natas” aos atuais detentores de mandato legislativo em todos os níveis, privilégio que foi suspenso pelo Supremo em 2002 para garantir a isonomia aos candidatos.

Hoje, quando a maioria dos atuais parlamentares está envolvida por delações de corrupção de empreiteiras, ter a garantia de concorrer a uma vaga acobertado pela sigla partidária vale ouro para os parlamentares, com trocadilho.

Essa proposta de lista fechada, no entanto, já foi derrotada dentro do próprio Congresso, quando ela parecia mais favorável ao PT do que aos demais partidos. O ambiente político mudou, e a solidariedade entre os acusados, sem diferenciação partidária, faz com que a proposta tenha boa chance de ser aprovada.

Ela traz em si uma contradição fundamental, a de fortalecer as direções partidárias no mesmo momento em que os partidos políticos brasileiros estão desmoralizados às vistas da Nação. Na primeira tentativa, foi relevante — para que não fosse aprovada — ressaltar que os eleitores não escolheriam seus candidatos diretamente, mas votando em uma lista previamente preparada pelos partidos.

Hoje, essa especificidade é justamente o que faz a proposta ser palatável a uma maioria parlamentar que quer se esconder do eleitor. A reação à proposta pode vir apenas das manifestações populares. Mas na situação atual, os senhores parlamentares já não se assustam com a voz rouca das ruas, mas com a possibilidade de cair na lista do Janot.

Não que, em isso acontecendo, temam ser condenados pela Justiça e impedidos de disputar as eleições, sabem que não haverá tempo para tal. Mas temem ser rejeitados pelos eleitores caso tenham de fazer campanhas individuais. No bolo partidário, têm mais chance de passar no teste eleitoral.

Outro foco
O depoimento de Emílio Odebrecht ao juiz Sérgio Moro pode ter sido um alívio para os lulistas, e uma frustração para os anti-Lula. Mas nenhuma das partes tem razões para tal.

Emílio era testemunha de defesa de seu filho Marcelo. E foi em tal condição, e não na de delator, que falou a Moro. Tentou minimizar a atuação do filho como grande corruptor dos políticos e mesmo como o idealizador do tal Departamento de Ações Estruturadas, onde eram contabilizadas as corrupções da empreiteira.

Disse que desde o tempo de seu pai, Norberto, o caixa 2 político existia, o que deve ser verdade. Mas na sua delação premiada, ele revelou os detalhes que diferenciam as ações atuais das anteriores.

Não falou de Lula agora porque não lhe foi perguntado. E não lhe foi perguntado porque Moro já tem informações de sobra sobre o tema.

Depende
Nem todo caixa 2 é crime, lembra um advogado amigo. E dá dois exemplos: no tempo da ditadura militar, financiar o PMDB na oposição era perigoso. O empresário que se dispusesse a tal, e eram poucos, não queria seu nome revelado com receio de represálias políticas e econômicos.

Outro caso: a burocracia exige tamanha papelada para registrar qualquer doação, por menor que seja, que às vezes é melhor doar informalmente do que preencher os formulários. Isso, é claro, justifica o caixa 2 de pequenas quantias, até, digamos, R$ 10 mil.

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