segunda-feira, 5 de junho de 2017

Interesses da nação | Gustavo Loyola

- Valor Econômico

Há por trás da moderação do mercado a expectativa de que com ou sem Temer as reformas serão mantidas

A tempestade política desencadeada pela delação hiperpremiada dos irmãos Batista ameaça interromper a tramitação das reformas no Congresso Nacional. Mais do que nunca, porém, espera-se que a classe política priorize os interesses da Nação e que o enfraquecimento ou substituição do presidente Temer não leve ao abandono da agenda de reformas proposta pelo seu governo.

Vale sempre a pena recordar que, em maio do ano passado, o impeachment de Dilma Rousseff interrompeu um cenário de crescente deterioração das instituições fundamentais para o funcionamento da economia. Temer trouxe para o governo uma equipe econômica comprometida com as reformas e com o restabelecimento da responsabilidade macroeconômica. Com o apoio do presidente, o Congresso passara a apreciar e aprovar medidas de grande relevância para o futuro do país, com destaque para a emenda constitucional que limitou o aumento das despesas do governo federal. As reformas trabalhista e previdenciária, por sua vez, estavam bem encaminhadas para aprovação final nos próximos meses.

Em razão disso, as expectativas migraram rapidamente para o terreno positivo e os indicadores macroeconômicos mostravam sinais inegáveis de recuperação. A queda livre da inflação já permitia o BC reduzir os juros básicos que, segundo as expectativas, poderiam chegar a um patamar sustentável em torno dos 8% antes do final do ano. Os indicadores de atividade antecipavam a melhora das condições da economia. O PIB do primeiro trimestre cresceu 1,0% em relação ao trimestre anterior apontando para um crescimento positivo do PIB ao longo de 2017 e recuperação do emprego a partir do final do ano.

Ocorre que o cenário hoje parece não se mostrar mais tão positivo assim. As incertezas políticas contaminam as expectativas e, em consequência, a retomada da atividade econômica deve provavelmente se dar num ritmo mais lento do que o antes esperado, notadamente pela frustração de investimentos. Tais incertezas já inclusive fizeram o Banco Central sinalizar a redução num ritmo mais comedido da taxa básica nas próximas reuniões do Copom o que, se confirmado, igualmente afetará a trajetória da recuperação.

Contudo, o país não se encontra à beira do precipício econômico. O setor externo continua saudável, a inflação está em queda e o Banco Central tem ainda amplo espaço para seguir derrubando os juros responsavelmente nos próximos meses. A reação relativamente contida dos mercados após o "susto" da divulgação do conteúdo da delação dos controladores do JBS se deve a tais fatos, mas não apenas a eles. Além de um ambiente externo de maior apetite por ativos de economias emergentes, há por trás da moderação do mercado a expectativa de que com Temer ou sem ele o curso da política econômica e das reformas não será substancialmente alterado.

Nesse sentido, a continuidade da política macroeconômica responsável e o sucesso na aprovação pelo Congresso Nacional das reformas (principalmente a da previdência social) nos próximos meses podem assegurar que a transição política de 2018 se dê num ambiente econômico relativamente favorável, mesmo considerando a gravidade dos fatos que vem sendo apurados no âmbito da "Lava-Jato". Ou seja, a economia funcionaria como uma espécie de "ponte" para a política até as eleições do ano que vem. Ao mesmo tempo, daria ao governo que assumirá em 2019, com a legitimidade conferida pelas urnas, condições para aprofundamento de uma agenda de crescimento sustentável no médio prazo.

Como se sabe, o grande calcanhar de Aquiles da economia são as finanças públicas, vítimas de uma combinação perversa de gastos estruturais crescentes em termos reais e da perda de receitas pela fraqueza da atividade econômica. A aprovação de emenda constitucional que limitou o crescimento da despesa foi um passo de grande importância para o saneamento fiscal, mas insuficiente caso não acompanhado de uma reforma da previdência social que permita uma evolução futura do gasto com benefícios compatível com o objetivo da mencionada emenda. Daí a necessidade de não se procrastinar sua aprovação. O atingimento da meta fiscal para o corrente ano é tarefa difícil - já que altamente dependente de receitas extraordinárias - e para 2018 as dificuldades serão ainda maiores, caso nada venha a ser feito do ponto de vista estrutural que modifique a dinâmica do gasto público.

Em tal contexto, a interrupção da tramitação da reforma previdenciária pode colocar o Brasil no pior dos mundos, simultaneamente atingido pelas incertezas políticas e pelo grave risco de colapso das contas públicas. Qualquer que seja o eleito em 2018, sua tarefa para ajustar a economia será muito mais difícil, com o perigo inclusive de um desempenho econômico medíocre durante todo o seu mandato. Há quem diga que o governo Temer perdeu a legitimidade para aprovar as reformas. Pode até ser. Mas, as reformas estão muito além de um mero programa de um governo em decadência. Dizem respeito, ao contrário, aos interesses de longo prazo da Nação.
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Gustavo Loyola, doutor em economia pela EPGE/FGV, foi presidente do Banco Central e é sócio-diretor da Tendências Consultoria Integrada, em São Paulo.

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