Por Ligia Guimarães e Camilla Veras Mota | Valor Econômico
SÃO PAULO - O PIB per capita dos brasileiros diminuiu 11% ao longo dos 11 trimestres da recessão iniciada no segundo trimestre de 2014, de acordo com cálculo da LCA Consultores. Isso explica em grande medida a sensação de perda de bem-estar, traduzida pela ainda baixa disposição da população em consumir, apesar do surgimento de alguns sinais de recuperação da atividade nos últimos meses.
"Isso [a queda do PIB] gera uma queda de renda per capita para todas as pessoas, na média. Elas ficam menos capazes de consumir", diz o diretor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas, Rubens Penha Cysne. Outro aspecto da crise que reduz a sensação de bem-estar das pessoas é a necessidade de mudar planos feitos na época em que a economia crescia fortemente.
"Antes de 2014, uma pessoa planejava um colégio para o filho e não conseguiu pagar, ou comprou um carro financiado e agora está desempregada. É o custo de bem-estar do ciclo econômico, que traz uma variabilidade na renda das pessoas que é bastante desagradável", explica o diretor da FGV.
Mesmo que se concretizem as projeções mais otimistas, o crescimento dos próximos cinco anos não será suficiente para elevar o PIB per capita ao nível em que estava antes da recessão, segundo a LCA. "Estamos falando de pelo menos mais cinco anos de uma recuperação que não vai trazer, em termos de renda e bem-estar, o mesmo nível que a gente observava antes da crise. É uma recuperação bastante fraca", prevê o economista Thovan Tucakov, da LCA.
O PIB per capita cresceu 0,9% no primeiro trimestre, quando comparado ao trimestre anterior, depois de cair ininterruptamente desde o segundo trimestre de 2014. Apesar da alta, Tucakov pondera que, mesmo que a crise política atual tenha desfecho rápido e o PIB cresça 0,5% este ano e 2,4% em 2018, será apenas em 2021 que o PIB per capita voltará a R$ 28.500 anuais, patamar de 2014. "Esse PIB per capita é menor que o chileno e equivale a cerca de um terço da média dos países da OCDE e um quinto do norte-americano", diz Tucakov.
Alta do PIB refletiu pouco no bem-estar
Embora o Produto Interno Bruto (PIB) e mesmo o PIB per capita tenham crescido no primeiro trimestre deste ano, após dois anos de recuos, isso provavelmente teve poucos reflexos para a sensação de bem-estar das famílias brasileiras, sobretudo para aquelas que ainda buscam trabalho. Estimativa da consultoria LCA aponta que o PIB per capita cresceu 0,9% no primeiro trimestre, após acumular queda de 11% desde o segundo trimestre de 2014, data que marca o início da recessão atual.
Os cálculos da LCA mostram que o PIB per capita, indicador que divide a riqueza do país pelo número de habitantes, encolheu mais que o PIB total, que acumulou baixa de 9% ao longo de todo o ciclo recessivo. A LCA estima que, no período, a população cresceu a um ritmo trimestral de 0,2%.
Mas além de chegar após um período muito longo de recuos e fortes estragos no cotidiano das famílias, o avanço da economia foi produzido muito mais como consequência do ciclo de ajustes de estoques, da demanda externa e dos efeitos diretos e indiretos da prodigiosa safra agrícola deste ano. Já a demanda interna continuou encolhendo, e outros indicadores, como os de mercado de trabalho e de confiança, apontam para um cenário em que ou as pessoas ainda estão desempregadas ou, como costuma dizer o economista Luiz Carlos Mendonça de Barros, estão empregados, mas, pela incerteza, agem como desempregados.
Thovan Tucakov, analista da LCA e autor do cálculo, destaca o efeito positivo do forte recuo da inflação e da liberação dos saques do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) sobre a renda no trimestre. "A forte queda da inflação possibilitou o aumento real de renda da população, embora o rendimento nominal não esteja crescendo em velocidade razoável", diz. Os especialistas ponderam, no entanto, que tais estímulos ao bolso não superam os efeitos decorrentes da crise para grande parte da população. Em especial, pouca diferença fazem para o contingente de 14 milhões de pessoas que estavam desempregadas em abril, segundo a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad), do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Não foram suficientes, inclusive, para impedir a queda no consumo das famílias, que teve retração de 0,1% no primeiro trimestre sobre o trimestre anterior. "Tem um exército de desempregados que sentirá ainda muita dificuldade para voltar ao mercado de trabalho. O mercado de trabalho está apenas deixando de demitir na velocidade de antes, mas as contratações não aceleraram", diz Tucakov.
Mesmo que se concretizem as projeções mais otimistas - com desfecho rápido para a crise política - o crescimento dos próximos cinco anos não será suficiente para elevar o PIB per capita aos níveis em que estava em 2014, antes da recessão, de acordo com estimativas da LCA Consultores.
"Estamos falando de pelo menos mais cinco anos de uma recuperação que não vai trazer, em termos de renda e bem-estar, o mesmo nível que a gente observava antes da crise. É uma recuperação bastante fraca", diz o Tucakov, da LCA. Ele destaca que, mesmo que a crise política atual tenha solução rápida e a economia cresça 0,5% este ano e 2,4% em 2018, será só em 2021 que o PIB per capita brasileiro poderá chegar novamente a R$ 28.500 anuais - patamar em que se encontrava em 2014 e, naquela época, já era baixo na comparação internacional. "Esse PIB per capita é menor que o chileno, por exemplo, e equivale a cerca de um terço do PIB per capita dos países da OCDE e um quinto do norte-americano", compara Tucakov.
Paulo Gomes, economista da Azimut Wealth Management, pondera que o aumento do PIB per capita não se traduz em bem-estar porque o crescimento da economia no primeiro trimestre foi concentrado majoritariamente no setor agropecuário. Assim, a sensação de melhora fica circunscrita ao entorno das zonas rurais.
"O efeito [do crescimento] não é sentido nas cidades", ele destaca. Os consumidores dos espaços urbanos são beneficiados de forma indireta, ele acrescenta, "via inflação" - pelo ganho real que a renda acumula diante da desaceleração dos índices de preços, beneficiados pelas quedas reiteradas do grupo de alimentos.
O diretor da Escola Brasileira de Economia e Finanças da Fundação Getulio Vargas, Rubens Penha Cysne, diz que o bem-estar da população caiu muito nos últimos anos à medida que a economia se retraiu. A queda do PIB acumulada nos últimos quatro trimestres ficou em -2,3% nesta medição, ante queda de 3,6% no ano passado. "Está caminhando para um número positivo". Cysne destaca, no entanto, que a renda ainda não está evoluindo suficientemente para gerar bem-estar. "Na média, todas as pessoas ficam menos capazes de consumir", diz Cysne. "Para uma pessoa que perdeu o emprego, baixar a inflação de 10% para 4% não é tão compensador quanto a perda que ela teve, é uma passagem bastante desgastante", diz.
Outro aspecto da crise que abala a sensação de bem-estar das pessoas é a necessidade de adiar ou suspender planos feitos na época em que a economia crescia fortemente. "Antes de 2014 a pessoa planejava um colégio para o filho e não conseguiu pagar, ou comprou um carro financiado e agora está desempregada. É o custo de bem-estar do ciclo econômico, que traz uma variabilidade na renda das pessoas e é bastante desagradável", diz o diretor da FGV. "O Brasil ainda está em uma trajetória muito aquém do que deveria estar para um país com um PIB per capita tão baixo", diz. Indicadores não macroeconômicos também afetam o ânimo da população, como índices de segurança pública e criminalidade, que têm se deteriorado ainda mais em meio à queda de arrecadação dos Estados e da União.
Tucakov destaca ainda que a expansão de 1% da economia observada no primeiro trimestre e celebrada pelo governo e equipe econômica como o fim da recessão está, na verdade, ancorada em base bastante frágil, como o desempenho do setor agropecuário, e a safra recorde que estimulou também a venda de máquinas agrícolas. Uma eventual recuperação está, além disso, muito atrelada à crise política, agravada desde que foram conhecidas as gravações de conversas entre o presidente Michel Temer e o dono da JBS, Joesley Batista. "Se essa questão politica não se resolver no curto prazo o que a gente vai ver é esse fôlego sendo diluído, ou revertido nos próximos meses. A recuperação é bastante frágil sim", diz Tucakov.
A incerteza em torno da permanência ou não do presidente Michel Temer no cargo fez a LCA reduzir de 0,9% para 0,5% a projeção de crescimento para este ano, adiando a perspectiva de retomada. "Se houver uma transição na presidência e ela for rápida, perto da data-chave de 6 de junho, (data da retomada do julgamento da chapa Dilma-Temer no TSE) o 0,5% está mantido, porque é um processo menos danoso à economia. Se demorar mais, cai para 0,2%, mais próximo de zero", diz.
Se o PIB per capita voltar aos níveis pré-recessão somente em 2021, o ciclo recessivo atual terá sido semelhante ao que foi na recessão de 1989-92, período que incluiu a renúncia do então presidente Fernando Collor de Melo. Naquela recessão, foi próximo ao 11º trimestre de recessão que a economia estabilizou e parou de cair, voltando a crescer um trimestre após a renúncia de Collor. "O mercado antecipa o período ruim, e aí, quando se dá a transição, é como se houvesse uma lua-de-mel", exemplifica Tucakov. "O que fizemos ao baixar a projeção para 0,5% foi sinalizar que o imbróglio político tende a retardar a aprovação das reformas e trazer cada vez mais volatilidade, o que é muito prejudicial para diversos setores da economia", diz.
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