- O Globo
Em julho de 1996, quando foi lançado o site do GLOBO, a orientação era não guardar mais notícias para a edição impressa, era preciso colocá-las na internet o quanto antes. Uma mudança radical no jornalismo, que naturalmente encontrou reações, sobretudo entre os mais antigos. Moreno era um dos mais resistentes na sucursal de Brasília.
Passados mais de 20 anos, um dos jornalistas mais ligados às novas tecnologias da informação era justamente Jorge Bastos Moreno, que criou seu blog, uma rádio e passou a usar o Twitter como instrumento cotidiano de trabalho. A ponto de ter feito um livro com as notícias sobre o impeachment de Dilma dadas por meio do Twitter. Uma notícia do Moreno em 140 toques mexia com a política nacional.
Entre as duas fases, Moreno marcou sua presença com o que de melhor fazia, garimpar notícias. Provavelmente foi o último jornalista que conseguiu dar um furo de notícia no impresso sem que a internet já não tivesse espalhado.
Na noite de 12 de janeiro de 1999, o então ministro da Fazenda Pedro Malan comunicou a vários políticos com posição de liderança no governo a troca de comando no Banco Central, que ocorreria na manhã seguinte, num momento de grave crise econômica. Sairia Gustavo Franco, entraria Chico Lopes, o que significava a desvalorização do real.
Como dizem, todo grande amigo tem um grande amigo, e um desses políticos contou naquela mesma noite a Moreno o que estava para acontecer. A direção do jornal foi acordada naquela madrugada diante da notícia bombástica, e, depois de autorizados por João Roberto Marinho, realizamos o sonho de todo jornalista da era impressa: paramos as máquinas literalmente para colocar a notícia na manchete do jornal.
Acho que foi a última vez, desde o advento da internet, que os assinantes tomaram um susto ao receber seus jornais em casa com uma notícia que não fora comentada durante o dia. Moreno ganhou o Prêmio Esso de Informação Econômica naquele ano, e tinha prazer imenso em brincar com seus colegas que cobriam economia, dizendo que ele, sem entender nada do tema, havia ganhado o maior prêmio da categoria por causa de um político.
Até o fim, Moreno surpreendia os leitores com uma percepção política que ia sempre além dos fatos. O que começou como uma brincadeira, a coluna Nhenhenhém, também em julho de 1996, cujo título era já uma provocação com o então presidente Fernando Henrique Cardoso, que reclamava que os jornalistas faziam muito nhenhenhém, no sentido de fofoca, Moreno passou a ter um lugar onde contar os bastidores de Brasília, revelando o que estava por trás da notícia.
Especialista em interpretar a alma humana, Moreno tinha a política como uma arte, tinha ele mesmo uma alma de artista. Não era por acaso, portanto, que ele reunia em sua cobertura, que ele chamava de “laje do Moreno”, gente de todas as tribos em noitadas memoráveis.
Recentemente, depois da crise provocada pela gravação da conversa do presidente Temer com Joesley Batista, Moreno escreveu um artigo no GLOBO que gostaria de ter escrito, e disse isso a ele. Ele simplesmente pegou a teoria jurídica da “cegueira deliberada” e criou sua própria teoria, a da “surdez deliberada”, afirmando que quem ouvisse aquele áudio e não identificasse ali uma série de crimes, estava deliberadamente não querendo ouvir.
Era assim, como muita ironia e bastante informação, que Moreno deixou sua marca por onde passou. Até o último sábado, quando foi o padre de um casamento na roça numa festa junina na casa de amigos. Foi a última vez que vi Moreno exercendo seu fascínio diante de uma plateia repleta de amigos, famosos ou anônimos.
Na sua fantasia, era quase um bispo fazendo o casamento. E seu sermão misturava fatos políticos atuais com delírios engraçadíssimos. Quando perguntou se alguém tinha alguma coisa contra o casamento, várias mãos levantaram-se. Diante daquela quase unanimidade, Moreno não vacilou. Absolveu os noivos “por excesso de provas”, como o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) agira na véspera.
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