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Tudo de que o Brasil menos precisa é mais um populista
Apesar do imenso pesar que governantes populistas causaram ao país na figura de carismáticos presidentes e/ou governadores ao longo do século passado e início deste agora XXI, a praga ainda nos ronda, ameaçando nova ofensiva na próxima eleição presidencial. Conspira para isso o ambiente de desgosto geral, terreno fértil para a ideia de que um herói há de surgir a fim de quebrar o que parece ser um feitiço malsão lançado sobre um Brasil de mandatos interrompidos (por morte morrida ou por morte matada) e corrupção endêmica.
O populismo de Getúlio Vargas sustentou uma ditadura; o de Jânio Quadros abriu espaço para outra; o de Leonel Brizola marcou os primórdios dos territórios controlados pelo crime no Rio; o de Fernando Collor deu ensejo ao primeiro impeachment da República; o de Lula fez da corrupção política de Estado, plantou a semente da desconstrução dos pilares da estabilidade econômica, levou ao poder a primeira mulher presidente, que seria também protagonista do segundo impedimento e jogou o país numa crise de desfecho imprevisível.
Populistas podem ter personalidade e táticas diferentes para obter o que querem — a conquista e a perpetuação no poder —, mas atuam numa mesma dinâmica e têm em comum aquilo que os desavisados consideram atributo essencial num líder: carisma ou dom de arregimentar um enorme contingente de crentes na sua capacidade de salvá-los. Assim, entre a consistência real e a falsa aparência, a maioria encantada opta pela segunda hipótese, que em maior ou menor tempo a levará à frustração.
Um acentuado traço do populista é saber manipular o desalento coletivo. Transformá-lo em indignação e conduzir esse sentimento para a seara adversária de forma a que seja vista como inimiga da pátria, gente a ser dizimada eleitoral, política e moralmente. Nada nem ninguém que não esteja sob sua área de influência merece reconhecimento. Ao contrário. Para esses tipos, o ideal é fazer do passado tábula rasa. São fundadores do “bem”, patrocinadores da felicidade e zeladores do bem-estar. Nunca erram; errado é sempre o outro, aquele que não cedeu à sedução ou aquele que não compartilha a mesma opinião. Seus métodos sem¬pre se justificam por alegadamente serem aplicados na busca do melhor fim.
A lógica do conflito permanente sustenta suas ações e discursos porque eles precisam de um contraponto (devidamente desqualificado) a fim de que pareçam indispensáveis. Dos aliados exigem fidelidade cega e os tratam como subalternos. Imprensa, estudiosos ou qualquer segmento cuja produção factual, cultural, intelectual, científica forneça um relato da realidade diferente do enredo escrito pelo populista são tratados com menosprezo nos casos mais amenos e, em situações agudas, com violência. O conteúdo é esse e a forma, enfeitada com a fantasia estúpida do carisma. O líder de verdade inspira a sociedade, enquanto o carismático busca usá-¬la como massa de manobra.
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Publicado em VEJA de 13 de setembro de 2017, edição nº 2547
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