O papel do Ministério Público deve ser exatamente o oposto ao que vem sendo exercido por Rodrigo Janot
Longe de ser uma retificação, a declaração do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, na segunda-feira, incorreu no mesmo erro cometido em maio de 2017, quando o País soube do acordo de colaboração premiada com Joesley Batista. Na ocasião, foi divulgado que havia, na gravação da conversa entre Joesley e o presidente Michel Temer, prova inequívoca da anuência do presidente à suposta compra do silêncio de Eduardo Cunha e Lúcio Funaro. Um dia depois, quando se tornou pública a íntegra do áudio gravado no Palácio do Jaburu, constatou-se a inexistência da alegada anuência presidencial. Era simplesmente a velha calúnia, o ato de imputar falsamente fato definido como crime a uma pessoa.
Exatamente como ocorreu com o chefe do Poder Executivo em maio, agora foi a vez de o Supremo Tribunal Federal (STF) ser injustamente envolvido em supostos crimes. Na tarde da segunda-feira passada, o sr. Rodrigo Janot convocou a imprensa para dizer que a Procuradoria-Geral da República (PGR) havia recebido no dia 31 de agosto uma gravação com conteúdo gravíssimo, que poderia levar à rescisão do acordo de delação premiada com os executivos da JBS. “Áudios com conteúdo grave, eu diria, gravíssimo, foram obtidos pelo Ministério Público Federal (MPF) na semana passada, precisamente quinta-feira, às 19 horas. A análise de tal gravação revelou diálogo entre dois colaboradores com referências indevidas à Procuradoria-Geral da República e ao Supremo Tribunal Federal”, disse Rodrigo Janot.
Diante dessa declaração, logicamente o País ficou atônito, tentando saber, com a urgência possível, quais seriam os ministros da Suprema Corte envolvidos nas tramoias de Joesley Batista e quais crimes eles teriam cometido. Já não era apenas um procurador da República supostamente metido numa atividade criminosa. As palavras de Janot colocavam em dúvida a lisura e a integridade dos ministros do STF.
Qual não foi a surpresa do País ao saber que a tal gravação de mais de quatro horas não trazia qualquer indício de crime envolvendo ministro da Suprema Corte. Havia mera menção a alguns nomes, mas sem relação com eventual ação criminosa. Mais uma vez, o País fora ludibriado pelo procurador-geral da República.
Tem-se aqui – este sim – um fato gravíssimo. Em vez de pedir desculpas à Nação e demitir-se do cargo, em razão da desastrada condução do caso envolvendo a delação da JBS, o procurador-geral da República envolveu indevidamente o STF numa versão que só traz demérito à própria Procuradoria-Geral da República. Uma vez conhecido o conteúdo da conversa entre Joesley Batista e Ricardo Saud, não se vislumbra qualquer motivo para vincular a Suprema Corte ao tal “conteúdo gravíssimo”, mencionado por Rodrigo Janot.
O conteúdo gravíssimo do áudio revelado refere-se tão somente à atuação do procurador Marcelo Miller e do próprio Janot. Ali há motivo mais que suficiente para uma investigação diligente, até mesmo porque, no momento, tudo indica que a ação controlada de Joesley Batista, para gravar o presidente da República, não foi de fato autorizada pelo STF.
O papel do Ministério Público deve ser exatamente o oposto ao que vem sendo exercido por Rodrigo Janot. Em vez de distinguir o joio do trigo com isenção, tendo como critério exclusivo a lei, o procurador-geral da República parece trabalhar ativa e deliberadamente para comprometer em ilícitos membros dos Poderes. É o fomento e a difusão reiterada da desconfiança nas instituições, quando o que compete ao Ministério Público é a serena defesa da ordem jurídica.
Sem oferecer explicações sobre sua atuação nos bastidores da delação da JBS e, principalmente, sem pedir as indispensáveis e arrependidas desculpas ao País, o procurador-geral da República tem dito que sua atuação no caso foi norteada pela boa-fé. Mas os fatos estão explícitos. Rodrigo Janot conhecia a gravação e mesmo assim optou por tratar a Suprema Corte da forma como tratou. Mero descuido não foi.
Nenhum comentário:
Postar um comentário