As investigações sobre o envolvimento do presidente Michel Temer em esquemas de corrupção deram uma guinada inesperada com o anúncio, pelo procurador geral da República, Rodrigo Janot, de que a delação premiada dos irmãos Batista poderá ser revista, diante de fatos "gravíssimos" relatados em uma fita de áudio com 4 horas de duração gravada por Joesley, em diálogo com o então diretor jurídico da JBS, Ricardo Saud. Como a PGR e a Lava-Jato mexem com interesses poderosos, a reação dos investigados foi a de culpar o investigador, mas em nenhum momento eles saem da sombra das suspeitas de tenebrosas transações com dinheiro público. O presidente, que saiu cambaleando da primeira denúncia, tem mais chances de sobrevivência política agora.
O clima carregado de Brasília anda propício aos exageros. A Operação Lava-Jato poderá sofrer um revés específico, envolvendo o presidente Temer. Entretanto, o caso é uma pequena amostra, embora a mais estrondosa, das denúncias feitas e a maior parte delas não depende das verdades ou mentiras que tenham sido contadas pelos Batista. Basta ver que no dia seguinte ao pronunciamento de Janot foram apreendidas malas de dinheiro de Geddel Vieira, e os ex-presidentes Lula e Dima Rousseff foram acusados de pertencer a uma organização criminosa - Polícia Federal e procuradores continuam seguindo a trilha do dinheiro, que aparece aos borbotões.
A poucos dias de deixar o cargo Rodrigo Janot, no entanto, está em maus lençóis. Ao que tudo indica - não há certezas -, um de seus principais auxiliares, Marcelo Miller, traiu sua confiança e, ainda no cargo, auxiliou na delação dos Batista, indo posteriormente trabalhar para um escritório de advocacia que defendia os donos da J&F.
Com esse flanco aberto, Janot tornou-se inevitavelmente suspeito e diante de incômodas suposições. Ele poderia estar ciente da ilegalidade de seu auxiliar, mas teria omitido o fato para "perseguir" o presidente Temer, hipótese que seria corroborada pelo inacreditável perdão a todas as ações da vasta rede de corrupção alimentada pelos Batista. E, ainda que não tivesse conhecimento do jogo duplo de Miller, Janot foi o agente de uma denúncia com base em gravação de Joesley sobre a qual existiam sérias desconfianças de que poderia ter sido armada dentro da Procuradoria para livrar os Batista do cerco policial que se fechava sobre eles e seus negócios escusos.
Em uma ou outra hipótese, Janot aparece ou como ludibriado ou como conivente. Se a gravação em que Temer fala foi armada, a denúncia, já rejeitada pela Câmara dos Deputados, será anulada. Com todas as suspeitas e pontas soltas que desde o início fazem parte da história dessa delação, as próximas denúncias contra o presidente, caso venham da mesma fonte, serão recebidas com doses altas de ceticismo e uma saraivada de questionamentos judiciais.
A chance do presidente permanecer no cargo não era pequena e aumentou. Mas isso não o livra da vital dependência da base governista, já que sua popularidade e prestígio não melhoram em nada com Janot na berlinda - sua iniciativa política continuará seriamente tolhida. A gravação da fatídica conversa na calada da noite no Palácio do Jaburu é suficiente para mostrar um diálogo vicioso com um empresário praticante de ilegalidades em série. As cenas filmadas do homem de sua confiança indicado a Joesley para resolver "problemas", Rodrigo Loures, correndo pelas ruas com mala de dinheiro, são indeléveis.
A delação de Lúcio Funaro confirma que ele recebia dinheiro de Joesley para manter-se calado sobre as estripulias da "quadrilha do PMDB da Câmara", um dos temas mais polêmicos da fita com Temer ("tem que manter isso, viu?"). Praticamente todos os homens do presidente foram alvejados e estão sob investigação da Lava-Jato, como Eliseu Padilha, da Casa Civil, Moreira Franco e o colecionador de dinheiro em espécie e ex-secretário de Governo, Geddel Vieira.
A Lava-Jato prossegue sob o signo do imprevisível. Os irmãos Batista, que julgaram arquitetar um lance de mestre, tem agora contra si todos os poderes da República, da Presidência à PGR, e podem ir para a cadeia. O presidente Temer sai ainda menor do que entrou no episódio e outras investigações o têm como um dos alvos. As delações premiadas não foram desmoralizadas - uma delas, se tanto. Os trabalhos da Justiça seguem seu curso e prometem mais surpresas.
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