sexta-feira, 8 de setembro de 2017

Disputa pelo centro será acirrada | Fernando Abrucio

-Valor Econômico & Fim de Semana

Fazer previsões políticas no Brasil atual se tornou um esporte bastante perigoso. Como tudo vira piada por aqui, a que retrata a presente situação é a seguinte: quem disser que sabe o que vai acontecer na próxima semana está mal informado. Falar da eleição de 2018, então, é para quem perdeu o juízo.

Mas como cientistas políticos têm um pouco do célebre MacGyver, aquele da série da televisão, eles precisam se arriscar continuamente. Nesse momento, o que parece ser o cálice sagrado da próxima disputa presidencial é criar uma candidatura de centro para ganhar o pleito. A ideia é boa, o problema é sua execução, porque muitas variáveis e atores vão interferir em tal jogo.

Boa parte da incerteza está na combinação sui generis que domina o quadro atual. De um lado, surpresas têm marcado a política brasileira desde 2015, seja no campo das denúncias que chegam sem hora marcada, seja no surgimento de políticos que ganharam votos com um discurso contra a política tradicional, como foi o caso de João Doria em São Paulo. De outro, o pemedebismo e afins, comandado pelo presidente Michel Temer, mesmo com perdas ao longo do caminho (Eduardo Cunha e Henrique Alves, por exemplo), tem tido uma enorme capacidade de sobreviver e ressuscitar em meio ao vendaval de problemas. Apostar no novo é uma boa pedida para 2018, mas muitos já consideram que os atuais detentores do poder, no plano federal ou estadual, terão armas importantes para a batalha que se avizinha.

Em meio a essa situação ambígua, crescem nas pesquisas, até agora, mais as candidaturas que se colocam como oposicionistas ao governismo, tanto do lado petista com o ex-presidente Lula, como com Jair Bolsonaro, do lado mais à direita do espectro político. Obviamente que isso é uma fotografia de um momento e muita água vai rolar até 2018. De todo modo, são dois candidatos fortíssimos e contra eles vem se construindo um argumento político de que é preciso montar uma alternativa contra os extremos.

Daí nasce a ideia atraente de que chegou a vez de se ter uma candidatura de centro. Ela seria, em primeiro lugar, um antídoto contra os "extremismos", evitando a vitória de Lula ou Bolsonaro, principalmente porque a disputa presidencial se dá em dois turnos, o que já favorece historicamente aquele capaz de ter uma postura mais moderada - foi assim que nasceu o "lulinha paz e amor" de 2002.

O fato é que depois de muita turbulência política, com um impeachment do presidente da República e uma crise prolongada, uma parcela da população, principalmente a classe média do Centro-Sul do país, pode ficar encantada com essa nova fórmula.

O charme da proposta ganha um ar cosmopolita com a vitória de Emmanuel Macron na França. Ele foi a alternativa aos extremos do seu país, representou uma importante renovação política, trazendo quadros que estão fora do jogo tradicional, e tem, ademais, uma postura, para não dizer até uma estética, bem distante de figuras como as de Trump ou Putin. Suas ideias reformistas também são aplaudidas por brasileiros ilustrados, embora nem todos tenham lido o conjunto delas, pois algumas estão mais próximas da tradição igualitarista europeia, como mostrou recentemente artigo de Mathias Alencastro, algo que talvez horrorize parcela dos nossos pretendentes a centristas.

Motivos locais e internacionais, portanto, alimentam a obsessão pelo caminho do centro como via eleitoral capaz de vencer a disputa presidencial e, enfim, reformar o Brasil. Há duas pedras, no entanto, que geram obstáculos para se chegar a esse caminho. A primeira é a disputa para ocupar o lugar em si. E a segunda é a definição do ideário vinculado a esse campo político.

Haverá uma acirrada disputa pela hegemonia do centrismo. Pelo menos três grupos poderão lutar por esse campo, sendo que dois deles já se apresentaram para a batalha. Um deles é o PSDB. O partido, é bem verdade, recebeu algumas flechadas éticas nos últimos tempos e está fortemente dividido frente ao governismo, porém, ainda tem importantes governadorias, uma bancada federal de tamanho razoável e, principalmente, traz consigo um histórico de poder. Mais do que a recuperação não só de seu manifesto de origem, como mostrou o seu programa no rádio e na TV, é a gestão do presidente Fernando Henrique que pode ser um baluarte num momento de crise do petismo, de fortalecimento da extrema-direita representada por Bolsonaro e como anteparo ao fisiologismo da Era Temer - o tal presidencialismo de cooptação.

Só que o caminho tucano já está marcado por uma intensa luta interna. A primeira das brigas é em relação ao governismo. Ficar ou não ficar no governo Temer, eis a questão - esse é o dilema hamletiano do partido. Tal decisão terá de ser tomada até o começo do ano que vem, ao custo de se perder competitividade eleitoral ou de ser engolido pelo pemedebismo. Mas a maior batalha, a mãe de todas, é a disputa entre Alckmin e Doria para ver quem será o candidato presidencial peessedebista. Já não há mais outros competidores, e criador e criatura entraram num jogo em que só sobrará um. Cometendo a insanidade de apostar em algo no cenário atual, creio ser o governador paulista o favorito interno, mas nada será tão simples e róseo como os contos de fadas apresentados na TV brasileira.

O problema é que há mais gente querendo representar o centrismo na eleição presidencial. E Doria pode ser um ótimo nome para esse campo, aliando a defesa de um liberalismo econômico como fórmula modernizante com sua enorme capacidade comunicativa, que o transformou no "novo gestor" que vai substituir os "antigos políticos". Ele é o nome dos sonhos do condomínio liderado pela dupla PMDB-DEM, que mesmo brigando de tempos em tempos, são os verdadeiros partidos da ordem (do status quo), como definia meu velho professor Oliveiros Ferreira. Mesmo com todas as crises do governismo atual e os problemas éticos enfrentados, o poder do governo federal e a esperança de comandar uma recuperação econômica no ano que vem são fatores que reacenderam a chama da vitória presidencial.

Uma disputa entre o pemedebismo e o PSDB, nas figuras de Doria e Alckmim, pelo centro político será acirrada. Não se pode descartar a hipótese, entretanto, de sair outro nome da cartola governista, como o ministro Henrique Meirelles, que seria apresentado como o modernizador da economia brasileira e como alguém com mais experiência - esse argumento poderá prejudicar Doria, que para ser presidente terá de abandonar os paulistanos que o elegeram sem que deixe muita herança administrativa.

De todo modo, mesmo com outra escolha, é bem possível que essa batalha pelo centrismo divida o que o governo Fernando Henrique uniu. As quatro derrotas presidenciais e o apoio ao impeachment podem ter custado para o PSDB a perda de importantes aliados.

Ainda há chances de imaginar que nomes mais "outsiders" do sistema político tentem preencher, de certa maneira, o lugar centrista, mesmo com uma pendência maior para algum lado do espectro político. Se for possível aglutinar a dupla Marina-Joaquim Barbosa, eles poderão ter como base principal um discurso baseado na moralidade, com efeitos para uma classe média que se sente órfã. Não ficariam nos extremos e poderiam dialogar com todos os candidatos num possível segundo turno. É uma hipótese com menos chances hoje, mas como a eleição de 2018 será muito fragmentada, concorrentes com um pouco mais de 15% dos votos poderão chegar ao segundo turno.

A principal dificuldade para os que disputam o centrismo está na definição clara de seu ideário. Do ponto de vista econômico é mais fácil. Trata-se da defesa de uma agenda de reformas mais liberais da economia, algo que tem espaço para crescer junto ao eleitorado. O lado governista do centrismo tende também a abraçar o conservadorismo moral, o PSDB tende a ficar em cima do muro nessa história e um centrismo de outsiders ficará com o moralismo ético - "nós nunca roubamos, ao contrário de todos os outros", será a palavra de ordem.

O problema é que o Brasil é bastante desigual, característica que está sendo acentuada pelo crescimento do desemprego, da informalidade, da violência urbana, pela piora da miséria no Nordeste e pela deterioração de vários serviços públicos, fruto da crise dos governos subnacionais. Neste contexto, quem não apresentar, minimamente, uma agenda modernizadora no campo social perderá fatias enormes do eleitorado, sobretudo entre os mais pobres.

O grande espaço para candidaturas como as de Lula, Ciro e mesmo de Bolsonaro se deve à desigualdade do país. O centrismo também tem boa margem para crescer, embora suas divisões possam se tornar fratricidas. Porém, o maior inimigo do centro político é a questão social. Seus líderes ainda parecem aqueles modernizadores do império, ávidos por trazer ferrovias e investidores estrangeiros ao país, mas sem saber o que fazer com a escravidão.

O problema é que, hoje, os filhos do escravismo mal resolvido votam na eleição presidencial. Sem trazer uma esperança e saídas para os excluídos brasileiros, o discurso centrista fica mais bonito em Paris. É preciso adaptá-lo às intempéries dos trópicos.

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Fernando Abrucio, doutor em ciência política pela USP e coordenador do curso de administração pública da FGV-SP

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