terça-feira, 12 de setembro de 2017

Rumo à normalidade | José Márcio Camargo

- O Estado de S. Paulo.

A persistência de taxas de inflação muito abaixo da meta de 2% ao ano, apesar das políticas monetárias extremamente frouxas dos principais bancos centrais do mundo, tem gerado perplexidade entre os analistas. Em especial, parece difícil explicar por que, com taxas de desemprego já muito baixas para os padrões históricos nos Estados Unidos e na Alemanha, os salários nominais não mostram sinais de aceleração.

Esta persistência de taxas de inflação muito baixas está, a nosso ver, relacionada aos efeitos do processo de globalização sobre os preços dos bens comerciáveis. A globalização é, fundamentalmente, um processo de terceirização de atividades produtivas em nível internacional, no qual as empresas decidem localizar suas atividades naqueles países onde é mais barato produzir, seja porque os salários são mais baixos, dado a qualidade da mão de obra, seja porque as instituições são mais indutoras de esforço, seja porque a produtividade das empresas é maior, etc.

Como consequência, a concorrência se internacionalizou e os preços dos bens comerciáveis e a variação dos salários dos trabalhadores passaram a ser determinados pelo grau de ociosidade e pela disponibilidade de mão de obra em nível mundial e não mais para cada país. Como as taxas de investimento nos países asiáticos continuam elevadas e a disponibilidade de mão obra, abundante, os preços dos bens comerciáveis permanecem em trajetória de queda.

Para os preços dos bens não comerciáveis, serviços principalmente, ao contrário, as taxas de inflação continuam a acelerar, tendo atingido mais de 3% ao ano nos Estados Unidos. Mas essa aceleração não é suficiente para contrabalançar a deflação dos comerciáveis. Ou seja, a menos que sejam implementadas politicas claramente protecionistas no mundo desenvolvido, não parece próximo o momento em que as taxas de inflação nos países desenvolvidos irão ultrapassar a meta de 2% ao ano.

O Brasil permaneceu praticamente fora deste movimento de globalização da produção até o momento, por causa de dois fatores: uma legislação trabalhista, cujo objetivo era a proteção do trabalhador contra o empregador, e uma legislação que proibia a terceirização da atividade fim das empresas. Esses dois obstáculos foram removidos recentemente com a reforma da legislação trabalhista e a mudança da lei da terceirização.

A nova legislação trabalhista, ao criar a figura do contrato intermitente e permitir a negociação individual entre trabalhadores e empresas tanto do banco de horas quanto do próprio contrato de trabalho para trabalhadores com educação superior e salário acima de duas vezes o teto do INSS (hoje aproximadamente R$ 11 mil), irá ter efeitos importantes sobre o funcionamento do mercado de trabalho. A negociação individual do banco de horas permitirá à empresa programar as horas trabalhadas de cada trabalhador, de tal forma a minimizar os custos com horas extras. Além disso, o contrato intermitente e a negociação individual do contrato dos trabalhadores qualificados permitirão às empresas renegociar as condições de trabalho, em razão do comportamento da economia, flexibilizando os custos nominais da mão de obra.

A nova legislação trabalhista terá efeitos importantes sobre o funcionamento do mercado de trabalho

A nova lei que libera a terceirização para qualquer atividade da empresa terá um efeito importante sobre a produtividade. A empresa passará a fazer somente aquilo em que é mais eficiente, contratando outra empresa para fazer o que ela é menos eficiente e tem custo mais elevado. O resultado será significativa redução do custo de produção.

A implementação dessas reformas deverá mudar a dinâmica da taxa de inflação no Brasil, tornando-a mais parecida com o que ocorre no resto do mundo. Inflação muito baixa, ou deflação, dos bens comerciáveis mais que compensando a inflação dos serviços, permitindo ao Banco Central do Brasil adotar uma política monetária mais em linha com seus parceiros internacionais. Rumo à normalidade.

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José Márcio Camargo Professor do Departamento de Economia da PUC-Rio, é economista da Opus Gestão de Recursos

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