Em áudios entregues pela defesa da JBS à Polícia Federal, Joesley Batista, dono da empresa e que hoje está preso, reclama da lei contra organizações criminosas, de 2013, que regulou a delação premiada. Em conversa com um interlocutor identificado como Gabriel, ele comenta a sensação que teve ao ler o texto da lei: “Falei: eu sou um criminoso e eu faço parte de várias organizações criminosas”, diz.
‘Batom na cueca’
Em novos áudios, Joesley diz ser ‘um criminoso’ e revela táticas para obter delação premiada
- O Globo
BRASÍLIA - Gravações divulgadas ontem pela revista “Veja” mostram o empresário Joesley Batista, dono da JBS, reclamando da lei de organizações criminosas — que regulamentou a delação premiada em 2013 —, revelam conversas que ele teve com o senador Renan Calheiros (PMDB-AL) sobre a negociação de acordo de leniência do seu grupo empresarial e resumem como ele pensava ser a postura de políticos e empresários flagrados em ilegalidades.
Assim como o primeiro áudio que resultou na prisão de Joesley e no processo de revisão da colaboração premiada da JBS, esses arquivos também foram, segundo a revista, entregues acidentalmente à Procuradoria-Geral da República (PGR).
— Se você tem problema e o problema é, como se diz, batom na cueca, ô meu, corre lá e faz essa porra dessa delação — diz Joesley, a um interlocutor chamado de Gabriel.
De acordo com a revista, a Polícia Federal suspeita que o interlocutor seria o deputado Gabriel Guimarães (PT-MG). Joesley diz que o próximo passo das investigações seria a delação de políticos.
—É a próxima onda. Começou com os operadores fazendo delação, aí começou (sic) depois os empresários, agora os políticos. Depois dos políticos eu não sei quem mais vai delatar, vai ser o Judiciário? — afirma o dono da JBS.
Joesley conta que fazia reuniões periódicas com o procurador Anselmo Lopes e reclama da forma como o investigador vinha conduzindo as operações sobre o seu grupo empresarial. Joesley contou ter feito relatos a Renan Calheiros, quando ainda estava na presidência do Senado, sobre a negociação de um acordo de leniência. O empresário afirma que a negociação era de R$ 1,5 bilhão. No fim, após a delação, o grupo controlador da JBS aceitou pagar R$ 10,3 bilhões.
Em nota, a defesa dos colaboradores da J&F afirma que os áudios “não foram entregues ‘acidentalmente’ à PGR pelos executivos da JBS, nem são mais recentes que os demais já divulgados”. Segundo a empresa, as gravações “já haviam sido recuperadas dos aparelhos entregues há meses por Joesley Batista à Polícia Federal e estavam com sigilo decretado pelo STF por se tratarem de diálogos entre advogados e clientes”.
SUSPEITAS DE R$ 248 BILHÕES
Joesley relata ter ouvido do ex-ministro José Eduardo Cardozo, em 2013, elogios à lei de organizações criminosas. O empresário disse que havia lido há pouco tempo a lei e verificou que atos praticados por ele poderiam ser enquadrados nela.
— Eu fui lendo e lembrando o Zé comemorando a aprovação. E quando eu terminei de ler, falei: eu sou um criminoso e eu faço parte de várias organizações criminosas. Porque, o que diz lá? Junta quatro pessoas que comete (sic) um ilícito. Eu sempre tenho mais de três. Porque, na largada, já é (sic) eu e meu irmão, aí tem mais um funcionário e um político. Já deu — disse o empresário.
Joesley conta também ter se reunido novamente com o ex-ministro da Justiça e que ele reconheceu ter sido “enganado” na aprovação da lei. O empresário relata como foi a conversa:
— Eu janto com o Zé agora, um mês, dois meses atrás. No iniciozinho, deixa eu te perguntar... Lembra aquela vez que a gente jantou e você tava feliz comemorando a lei do combate ao crime organizado? E ele: “Puta cagada Joesley, nos enganaram. Aprovamos essa lei acreditando que era para o crime organizado e para o narcotráfico. Eu e a Dilma. Nos engaram”.
A “Veja” também revelou a existência de um relatório do Coaf, órgão do Ministério da Fazenda que fiscaliza transferências financeiras suspeitas, apontando que o grupo J&F movimentou R$ 248 bilhões em movimentações possivelmente irregulares nos últimos 14 anos. O documento foi anexado pela PGR à segunda denúncia contra o presidente Michel Temer.
As investigações dissecam movimentações bancárias de sete empresas do grupo, como Eldorado, Flora e Vigor, envolvendo compras de imóveis, de joias, apólices de seguros, entre outros.
Procurado pelo GLOBO, o Coaf informou que “não comenta casos específicos, por dever de sigilo”. Em nota divulgada ontem, a J&F disse desconhecer o relatório do Coaf e que “o conceito do Coaf para considerar ‘suspeita’ uma movimentação financeira ‘é largo. Às vezes, largo demais’. Ao registrar todas as transações, o valor mencionado na reportagem não reflete uma soma real, apenas a entrada e saída de recursos — incluindo operações realizadas de forma pública, lícita e oficial — e não revela nada de extraordinário, tão somente o tamanho de cada negócio”. A empresa afirma ainda que “os casos concretos e suspeitos citados na matéria foram revelados pelos próprios colaboradores em depoimentos e dados à PGR e ao Ministério Público Federal”.
Nas gravações reveladas ontem, Joesley estava ansioso para conseguir a imunidade pedida à PGR na negociação para o acordo de colaboração premiada. Após uma rodada de conversa com procuradores, em março deste ano, o dono da JBS conversava com Ricardo Saud e Francisco de Assis e Silva, ambos executivos da J&F, e mostrava ter a dimensão de que gravar e denunciar alguns dos políticos mais importantes do país seria um divisor de águas na sua vida.
TEMER: ACUSAÇÕES SÃO “ARMAÇÃO”
O áudio da conversa foi um dos entregues pela J&F à PGR no mês passado. Hoje preso, Joesley se mostrava ansioso pela imunidade.
— Vou te falar um negócio: se amanhã esses caras (procuradores) vierem falando que topam, que estão firmes, no prazo, como não denunciar nem eu nem Wesley? Vai tomar no cu, vamos pegar aquele outro assunto lá e vamos enfiar nisso. Eu não vou perder noite de sono...
— Ganhar imunidade... — completa Francisco de Assis e Silva.
— Porra! Virar essa página, nem lembrar disso mais nunca... E nós não vamos poder mais fazer rolo mesmo. Acabou. Com essa história aqui, acabou. Nós não vamos fazer rolo mais nunca.
— Até porque ninguém vai querer fazer com a gente mesmo — completa o executivo Ricardo Saud.
O presidente Michel Temer divulgou nota sobre as gravações. As acusações feitas pelos delatores contra ele, afirma o presidente, são uma “grande armação” de “meliantes” que, de maneira “sórdida e torpe”, tentam desestabilizar o seu governo. A nota acusa membros do Ministério Público Federal (MPF) de atuarem como “integrantes da santa inquisição”: “A cada nova revelação das gravações acidentais dos delatores da JBS, demonstrase cabalmente a grande armação urdida desde 17 de maio contra o presidente Michel Temer. De forma sórdida e torpe, um grupo de meliantes aliou-se a autoridades federais para atacar a honradez e dignidade pessoal do presidente, instabilizar o governo e tentar paralisar o processo de recuperação da economia do país”.
Na nota, Temer cita trechos dos áudios recuperados pela revista para questionar a credibilidade dos delatores da JBS — além de Joesley, também de Ricardo Saud — e reitera ter sido alvo de “conspiração”.
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