- Valor Econômico
Um governo, mesmo impopular, pode ter 20% dos votos
A simples posse da caneta presidencial dá ao mandatário da nação pelo menos 20% dos votos, segundo cálculos que o ex-presidente José Sarney costuma citar. Por essa conta, é prematuro excluir a influência de Michel Temer na sucessão presidencial de outubro de 2018, mesmo sendo ele um recordista de impopularidade e de desaprovação do eleitorado. Até então, Sarney, que governou entre 1985 e 1990, encabeçava o ranking.
O ex-presidente usava esse argumento para explicar porque o candidato Ulysses Guimarães, deputado federal pelo PMDB de São Paulo, que concorreu à sua sucessão nas eleições de 1989, teve apenas 4,43% dos votos, ficando como o sétimo colocado no pleito que elegeu Collor de Mello.
Sarney, que ascendeu ao posto com a morte do então escolhido pelo voto indireto, Tancredo Neves, - que adoeceu na véspera da posse, em março, e faleceu em abril - nunca se conformou com o fato de Ulysses, em tese o candidato mais próximo do governo, não aceitar seu apoio naquela campanha. Ao contrário, optou por escondê-lo.
O ambiente econômico em 1989 era dramático e caótico. Depois do Plano Cruzado e seus sucessivos fracassos, a inflação acumulada no último período da gestão de Sarney atingiu impensáveis 1.764,83%.
Apesar de todas as particularidades que distinguem o país hoje das sete eleições diretas após a democratização - a dimensão da crise política, a profusão de denúncias de corrupção, o descrédito dos partidos e a dificuldade de a economia deslanchar após três anos consecutivos de recessão - é útil olhar para o que ocorreu no passado recente e a influência das condições econômicas e do bem-estar ou não da população na decisão dos eleitores.
Em quatro dos sete ciclos eleitorais ocorridos de 1989 para cá, os candidatos que lideravam as pesquisas de intenção de voto no ano anterior ao da eleição para Presidência da República não foram eleitos. Segundo análise política da consultoria LCA, em setembro de 1988 o líder era o empresário e apresentador de TV Silvio Santos, que sequer oficializou sua candidatura para a disputa em 1989.
Em agosto de 1993, Lula era o preferido para a eleição de 1994. Em dezembro de 2005, José Serra estava à frente das pesquisas, mas também não se candidatou. E, em dezembro de 2009, Serra novamente liderava as pesquisas para 2010. Nenhum deles se tornou presidente da República. Por esse critério, Lula e Jair Bolsonaro, os dois candidatos hoje à frente das pesquisas eleitorais, um ano antes da sucessão presidencial, deveriam colocar as barbas de molho.
Nos outros três pleitos - 1998, 2002 e 2014 -, o candidato eleito liderava as pesquisas. "Provavelmente, a evolução da situação econômica do país foi fundamental para determinar o resultado final da disputa", indica a análise.
Diferentemente de 1989, quando a economia despencava, a inflação explodia e os eleitores, entre Lula e Collor de Mello, escolheram o segundo, em 1994 o Plano Real trabalhou a favor do candidato governista Fernando Henrique Cardoso. FHC venceu Lula no primeiro turno com praticamente o dobro de votos (34, 3 milhões contra 17,1 milhões).
O Plano Real pôs fim à superinflação, ao derrubar o Índice de Preços ao Consumidor de 2.477,15% em 1993 para 22,4% em 1995 e para 1,6% em 1998, ano em que FHC foi reeleito no primeiro turno, no embalo da estabilidade econômica, mas terminou o governo em baixa.
Lula liderava a pesquisa em 2001 e venceu a eleição de 2002. Foi reeleito em 2006, ano em que a economia cresceu 4% e a inflação foi de 3,14%, a menor desde o regime de metas para a inflação, instituído em 1999. A campanha pela recondução, porém, foi precedida do escândalo do mensalão, em 2005, provável motivo de Serra encabeçar então as pesquisas de intenção de voto. O desgaste de Lula pelo mensalão, porém, foi insuficiente para derrotá-lo diante do portfólio de avanços na economia exibido na eleição pelo candidato do PT.
A economia também trabalhou a favor da eleição de Dilma Rousseff em 2010. Depois de passar por uma breve, mas forte, recessão decorrente da crise financeira global de 2008/09, o país cresceu 7,5% no ano seguinte e mesmo o aumento da inflação de 4,3% em 2009 para 5,9% em 2010 não ofuscou o "espetáculo do crescimento" do fim da era Lula. Dilma, tão logo ficou conhecida como a candidata de Lula subiu nas pesquisas e venceu a disputa.
As eleições de 2018 podem ser uma combinação do que ocorreu em 1988/89 e em 2005/06, segundo a LCA. Esses dois períodos foram marcados, respectivamente, por um governo impopular (Sarney) e crescimento econômico com inflação baixa.
A economia hoje dá sinais de recuperação gradual. Depois de uma recessão profunda e duradoura, as expectativas são de crescimento modesto este ano (0,7%) e de 2% a 3% no próximo, com inflação baixa.
Há, porém, uma diferença fundamental: a popularidade de Lula mesmo no auge do mensalão não caiu aos níveis da de Temer. Com aprovação de apenas 3%, segundo as mais recentes pesquisas, a chance de Temer tentar a reeleição é praticamente nula.
Outra diferença em relação ao passado que não pode ser ignorada é a da exacerbação da violência urbana no país, que a cada três semanas mata cerca de 3.400 pessoas. Isso é muito mais do que todos os 458 atentados terroristas ocorridos no mundo, na primeira metade do ano, que causaram 3.314 mortes. A taxa de homicídio no país é de 30,5 para cada 100 mil habitantes, segundo a OMS. A insegurança é uma condição que, com certeza, está na raiz do crescimento da candidatura de Bolsonaro, assim como a lembrança da prosperidade durante a gestão de Lula está na gênesis do favoritismo do petista.
A melhora da economia e a força da máquina do setor público, contudo, podem ajudar no desempenho das candidaturas mais alinhadas ao governo. Michel Temer não deve patrocinar, de forma explícita e engajada, uma candidatura à Presidência. Mas é imprudente considerá-lo uma peça totalmente fora do jogo.
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