A economia global se livrou, uma década depois, da crise financeira e da Grande Recessão, atestam as projeções apresentadas esta semana pelo Fundo Monetário Internacional. Pela primeira vez em muito tempo, o staff do Fundo concluiu que o balanço dos riscos é favorável, pelo menos no curto prazo e as ameaças foram relegadas ao horizonte de médio prazo. Uma das heranças da crise é o perigo que ainda ronda os países ricos - baixa inflação. Esse enigma continua assombrando as reuniões do Federal Reserva americano, como apontam as minutas da última reunião do comitê de mercado aberto do banco. Os debates sobre suas causas continua inconclusivos. Por isso, os próximos passos do Fed tendem a ser mais comedidos do que se esperava.
As perspectivas para o resto do ano e 2018 são promissoras. Há crescimento disseminado pelos países avançados, começando pelos EUA, passando pela zona do euro e pelo Japão. Entre os emergentes, a China manteve expansão maior do que a prevista, ao lado do ritmo rápido de avanço da Índia e do fim do agudo período recessivo no Brasil e na Rússia. Mas há fortes discrepâncias na recuperação dos emergentes. A América Latina, influenciada pelo desempenho brasileiro, fica bem atrás de outras regiões, com crescimento previsto de 1,2% para 2017 e 1,9% para 2018, comparado à média de 4,6% e 4,9% para os emergentes.
O crescimento brasileiro deve se intensificar ao longo desse período. O FMI ajustou sua projeção às do mercado doméstico em relação ao corrente ano, elevando-a para 0,7%, mas para 2018 revela uma distância marcante em relação às projeções do mercado. Sua previsão é de 1,5%, diante de expectativas acima de 2% da maioria das consultorias, segundo o boletim Focus. Na previsão do quarto trimestre de 2018 sobre o quarto deste ano, o FMI estima expansão de 1,8%.
Os países mais ricos deixaram a crise com um menor crescimento potencial, produtividade mais baixa e uma inflação que se recusa a rumar para as metas dos bancos centrais. Nisso há um risco de mão dupla identificado pelo Fundo, e não só por ele. A persistência da inflação baixa, ainda na presença de US$ 15 trilhões no balanço dos BCs de Europa, EUA e Japão, deixa as autoridades monetárias em apuros no caso de nova contração econômica. Com juros muito baixos, eles teriam que voltar a lançar de instrumentos já amplamente utilizados ao longo da Grande Recessão que teriam, provavelmente, menos eficácia.
Por outro lado, a longa e preocupante dormência da inflação não impede que ela reapareça em grande estilo, com um salto rápido que obrigue os BCs a apertarem com velocidade inesperada as políticas monetárias. O dilema da inflação é particularmente premente para o Federal Reserve americano, como se lê nas últimas atas de suas reuniões. O Fed quer continuar a subir os juros mesmo que sua medida preferida de nível de preços, o núcleo dos gastos pessoais de consumo, deva crescer menos no terceiro trimestre do que no segundo e no ano corrente fique igual à de 2016, em 1,5% ou abaixo disso.
A ala majoritária do Fed acredita que com a economia rodando além do pleno emprego, os salários em algum momento terão de subir (não estão, até agora) e os preços terão de apontar para cima. Outros membros do Fed acham que tendências de longo prazo podem estar impedindo a inflação de subir e a conclusão disso é que cautela extrema deve ser aplicada na dosagem dos juros. Uma terceira posição aponta que não se deve apertar adicionalmente a política monetária até que a inflação dê sinais efetivos de alta. O Fundo Monetário, em seu Panorama Econômico Mundial, tende a se alinhar com a cautela. Recomenda a necessidade de manter os estímulos monetários e que a normalização monetária nos Estados Unidos, e depois na zona do euro, deve ser comedida e mais lenta do que o inicialmente previa.
Um erro na dose dos juros é justamente um dos riscos que o FMI enxerga a médio prazo para a economia global. Outro é o risco oposto, inflação baixa demais por muito tempo. Um terceiro é um tumulto financeiro nos países emergentes, puxado por uma crise de excesso de crédito na China que a obrigaria a desacelerar muito seu crescimento. Completam a lista das preocupações o afrouxamento das normas de regulação financeira, uma onda protecionista e, por fim, tensões geopolíticas.
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