- O Estado de S.Paulo
É esse meu desejo: que a próxima quadra seja mais previsível e racional
Estou sentada em frente ao computador para escrever esta coluna no dia em que completo 45 anos e no mês em que faço 24 de exercício diário da profissão de jornalista de política. É uma estrada longa e sinuosa, como cantariam os Beatles, que permite olhar pelo retrovisor para tentar projetar o que vem pela frente com um pouco mais de dados à disposição. Envelhecer e ter acompanhado de perto tanta história devem valer para alguma coisa, afinal.
As eleições do ano que vem, que ocorrerão no mesmo outubro do meu natalício, serão uma espécie de marco a encerrar um período em que o Brasil viveu em transe constante.
É como se o pleito de 2014 tivesse exposto uma infecção — política, econômica, ética, social — que estava lá fermentando debaixo da derme, e precisou ser lancetada para purgar. Quatro anos e muito pus depois, será a vez de verificar o estágio de cicatrização do tecido Brasil. E nada garante que não vá haver queloides.
Menos de um ano antes, o que se assiste é uma cada vez maior fricção das instituições, como num processo mesmo de troca de pele necessário a fechar as feridas abertas pela Lava Jato e pela maior crise econômica da história e suas consequências.
O Supremo Tribunal Federal e o Senado encenam agora um desses episódios de crispação. A principal corte do País não sai sem escoriações profundas de um momento como esse, em que se cindiu literalmente ao meio numa discussão profunda sobre suas próprias prerrogativas e os limites da independência dos Poderes.
Da mesma maneira, embora tenha saído aparentemente vencedor do impasse, o Legislativo não colhe nenhum louro. Pelo contrário: com a bola tendo sido devolvida pelos ministros aos senadores para decidir o futuro de Aécio Neves, o que se tem é uma indefinição quanto à forma de fazer isso e um temor de encarar a opinião pública.
As definições que emanarão de Brasília nos próximos meses serão cruciais para definir essa nova estrada até 2018. Michel Temer conseguirá se segurar no posto até o fim? O Supremo conseguirá iniciar os julgamentos de dezenas de políticos proeminentes que estão pendurados em inquéritos, denúncias ou processos na corte? Vai dar uma resposta definitiva ao dilema sobre se réus condenados em segunda instância devem ou não começar a cumprir pena imediatamente? Haverá alguma reforma da Previdência?
Cada uma dessas perguntas — cujas respostas hoje são impossíveis de cravar por qualquer analista honesto intelectualmente, dada a complexidade de variáveis envolvidas — terá um impacto direto e diferente sobre 2018.
Delas dependerão o grid de candidatos na disputa presidencial, o poder do governo de recuperar ou não alguma popularidade a ponto de influenciar na sucessão, a pauta de debates da campanha e a capacidade que o próximo governo terá de fazer a reconstrução do País. Apenas isso.
Como são questões fulcrais e de dificílimo equacionamento, o aprendizado desses anos de antibiótico que o Brasil atravessou recomendariam aos envolvidos nos três Poderes passar a exercer seu papel institucional sem enrolação, algo pelo que venho me debatendo nesse espaço há algum tempo.
Que comece pela definição do Senado sobre Aécio. A Casa não quis tanto ter essa prerrogativa? Que a exerça de portas abertas à sociedade, sem uma sessão que seja um conchavo de compadres enlameados de todos os partidos. E que o próximo passo seja da Câmara, que precisa analisar a denúncia contra Temer com presteza e racionalidade. E assim sucessivamente. É esse meu desejo: que a próxima quadra seja mais previsível e racional que as últimas. Adeus, inferno astral.
“É esse meu desejo: que a próxima quadra seja mais previsível e racional”
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