segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Dogde quer sigilo de delação até Justiça aceitar denúncia

Reynaldo Turollo Jr. / Camila Mattoso | Folha de S. Paulo

BRASÍLIA - No comando da Procuradoria-Geral da República há quase um mês, Raquel Dodge quer manter sob sigilo delações premiadas e investigações ligadas a elas até a aceitação da denúncia pelo STF (Supremo Tribunal Federal), ou seja, durante toda a fase de inquérito.

O antecessor de Dodge, Rodrigo Janot, criou prática diferente, pedindo muitas vezes o levantamento do sigilo no início das investigações. Foi o que ocorreu em grandes delações como a da Odebrecht e também a da JBS.

A lei que regulamentou o instituto da delação, de 2013, estabelece que "o acordo de colaboração premiada deixa de ser sigiloso assim que recebida a denúncia", mas não trata sobre manutenção de sigilo durante a apuração.

No caso da Odebrecht, por exemplo, assim que o Supremo autorizou a abertura dos inquéritos, quase todos se tornaram públicos, dando publicidade inclusive para medidas de investigação solicitadas pela Procuradoria.

A conduta de Dodge pode refletir nos casos de potenciais delatores, que buscam um acordo com a PGR, entre eles o ex-ministro Antonio Palocci e o ex-deputado Eduardo Cunha, ambos presos. Nos bastidores, outro delator cogitado é o ex-ministro Geddel Vieira Lima, detido desde setembro na Papuda.

Ao todo, são 14 acordos em negociação com a Procuradoria.

Embora a íntegra de delações dos executivos da Odebrecht ainda esteja em tese em segredo, depoimentos dos colaboradores referentes a cada inquérito foram divulgados pelo STF.

Críticos de Janot apontavam que a ausência do sigilo dava ao investigado conhecimento das apurações, permitindo, eventualmente, a destruição de provas.

À Folha a Procuradoria afirmou que Raquel Dodge decidiu privilegiar "o critério estabelecido pela legislação, e eventuais posicionamentos diferentes dependerão de cada situação".

De acordo com o órgão, o objetivo é preservar a investigação.

"A publicidade poderá ser requerida pelo Ministério Público Federal quando existir plena segurança de que a divulgação dos fatos não acarretará qualquer prejuízo ao trabalho apuratório do MPF e da Polícia Federal", informou o órgão.

Defensores da prática adotada por Janot, por outro lado, apontam que o novo procedimento pode criar uma caixa-preta, fazendo com que nunca se conheçam suspeitas sobre políticos delatados.

Parlamentares vêm defendendo a medida de preservar o sigilo há tempos, com o argumento de que tinham suas imagens prejudicadas antes da investigação. Quando absolvidos, diziam que o dano já estava consumado desde que seus nomes tinham sido publicados pela imprensa.

ANÁLISE DA EFICÁCIA
Outro ponto em que a atual procuradora-geral da República deve divergir de seu antecessor é no posicionamento quanto ao momento de analisar a eficácia de uma colaboração premiada.

Esse é um ponto importante para garantir os benefícios concedidos ao delator –como redução da pena, regime de cumprimento (fechado ou domiciliar) e até a imunidade (não oferecimento de denúncia à Justiça).

Os benefícios são negociados entre a Procuradoria e o delator antes da assinatura do acordo e da homologação pelo Supremo.

Sob Janot, a PGR defendia que a eficácia dos depoimentos só podia ser analisada na fase da ação penal, após o recebimento da denúncia pela Justiça. Um dos argumentos era que mexer no benefício acordado antes do fim do processo causaria insegurança jurídica –o delator não teria garantia de que, contribuindo com as investigações conforme combinado, ganharia a contrapartida esperada.

Com Dodge, diferentemente, o posicionamento da PGR sobre o momento de avaliar a eficácia de um acordo vai se dar em cada caso concreto.

"Não há de antemão uma posição fechada de que a eficácia deve ser medida ou verificada no momento A, B ou C. O posicionamento da PGR vai se dar em cada caso, considerando as especificidades de cada um", informou a Procuradoria. A nova procuradora-geral, porém, ainda não se posicionou sobre qual entendimento tem do que é "eficácia".

Janot defendia que um acordo só poderia ser rompido se houvesse omissão ou mentiras durante a colaboração, avaliação que deveria partir da própria Procuradoria. Ministros do Supremo, por outro lado, têm defendido que o Judiciário tem o poder de analisar caso a caso.

Gilmar Mendes, por exemplo, vem afirmando que a corte tem um "encontro marcado" com a análise da eficácia da delação da JBS.

Os benefícios prometidos a dois executivos da empresa, Joesley Batista e Ricardo Saud, porém, já foram revogados pela PGR por outro motivo: o órgão entendeu que eles omitiram informações por má-fé. O ministro Edson Fachin, relator do caso, ainda não decidiu sobre a rescisão. Outros cinco delatores do grupo, entre eles o sócio Wesley Batista, continuam com seus benefícios válidos.

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