segunda-feira, 16 de outubro de 2017

Fator de desigualdade – Editorial | O Globo

Atual distribuição de renda no sistema previdenciário só amplia os abismos sociais Reforma proposta é covarde, porque tenta impor aos trabalhadores sacrifício ainda maior

Na quarta-feira, no Senado, registraramse manifestações de ceticismo sobre a tramitação do projeto sobre a Reforma da Previdência neste fim de ano. Foi durante a rotineira prestação de contas do Banco Central, quando o presidente da instituição reafirmou que a continuidade da redução da taxa de juros depende, cada vez mais, do avanço na aprovação das reformas econômicas, entre as quais a da Previdência tem peso especifico.

A alternativa, disse o presidente do BC, Ilan Goldfajn, será o reajuste nos juros, hoje em 8,25% ao ano — descontada a inflação projetada para os próximos 12 meses, a taxa real é de 3% anuais, patamar mais baixo em anos.

De fato, esse será o verdadeiro custo que o governo Michel Temer e os maiores partidos no Congresso acabarão impondo a toda à sociedade, caso se mantenham inertes em relação às reformas, principalmente a da Previdência.

Alega-se “dificuldade política”, ora porque o presidente é alvo de processo criminal, ora porque este é um ano pré-eleitoral, e, por fim, o próximo será de eleições gerais. A frivolidade desses argumentos não resiste à sinalização da realidade adiante: sem a reforma da Previdência, a taxa de juros vai subir em pleno ano eleitoral, dificultando a expansão de investimentos, empresas e o equilíbrio das contas fiscais do país, com prejuízos diretos à prestação de serviços básicos na saúde, educação e segurança. Parlamentares que sonham com a reeleição, naturalmente, serão responsabilizados.

Sem rumo, engolfada por sua crise ética, a oposição aposta nesse cenário de estagnação, na instabilidade econômica. Tem se revelado pródiga na criação de mitos, como o de que a Reforma da Previdência significa uma condenação dos pobres ao trabalho perpétuo — “até à morte”.

Esconde o mais relevante: a situação da Previdência não é apenas crítica em relação à solvência dos pagamentos de benefícios em futuro próximo, mas principalmente porque a atual distribuição de renda no sistema previdenciário só amplia as desigualdades na sociedade brasileira.

Os números não mentem: o déficit do governo federal com aposentadoria de um milhão de servidores da União, desde 2015, tem sido maior que o registrado com 33 milhões de aposentados da iniciativa privada. Significa que criou-se uma casta no funcionalismo, privilegiada com aposentadorias e pensões de valores em média cinco vezes maiores que as recebidas pelos trabalhadores do setor privado.

A oposição sabe disso. O PT conhece a fundo essa realidade. Tanto que, em 2003, o governo Lula pôs na mesa um projeto de Reforma da Previdência. Abandonou-o pela mesma razão que hoje PT, PC do B e PSOL fazem questão de ocultar: mudar a distribuição de renda no sistema previdenciário significa cortar benesses da casta do funcionalismo, dominante no sindicalismo que sustenta esses partidos.

Preferem continuar com políticas de assistencialismo aos pobres e de correção do salário-mínimo pago a nove em cada dez aposentados, do que encarar um dos fatores estruturais da desigualdade na distribuição de renda no país. O resultado é conhecido: juros altos, inflação, desemprego, instabilidade e concentração de renda.

Nenhuma reforma na Previdência será justa sem que, antes, se estabeleça drástica política de cobrança dos sonegadores dos impostos previdenciários. E será anódina qualquer tentativa de tratar a Previdência de forma isolada do Sistema de Seguridade Social do qual ela, constitucionalmente, faz parte. A CPI da Previdência recebeu documentos que revelam sonegação superior a R$ 100 bilhões. O que o governo Temer pretende fazer em relação a is- so? E o que tem a dizer sobre o fato de o sistema, em 2016, ter sido superavitário (arrecadou R$ 707,1 bilhões e gastou [com pagamentos de aposentadorias e despesas do MS] R$ 631,1 bilhões)? Sem essas respostas, o próprio governo extingue a legitimidade da reforma. E ao tentar ignorar números oficiais, torna fraudulenta a tese governamental.

A verdade é que o governo não trata disso com a devida transparência porque seria impossível convencer o trabalhador de que ele, que já tem descontado, compulsoriamente, de 8 a 11% do seu salário para sustentar o sistema, teria de pagar uma segunda vez, e essa, para tapar o buraco aberto pelo crime da sonegação e pela incompetência governamental.

Assim, a reforma proposta por Temer é covarde e cínica. Covarde, porque tenta impor aos assalariados, que já pagam a sua parte, um sacrifício ainda maior, comprometendo sua renda. E cínica, porque os obriga a buscar uma forma privada de Previdência que, sabidamente, não têm condições

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