Com críticas à Justiça, relator vota por rejeitar 2ª denúncia contra Temer
Ranier Bragon, Angela Boldrini | Folha de S. Paulo
BRASÍLIA - Recebido com festa pelos governistas, o deputado Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) apresentou na tarde desta terça-feira (10) relatório em que recomenda à Câmara barrar a tramitação da denúncia criminal contra o presidente Michel Temer e os ministros Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral).
Andrada, que é ligado a Aécio Neves (PSDB-MG) e pertence à ala governista do partido, fez um texto de pouco mais de 30 páginas com fortes críticas ao Ministério Público, à Polícia Federal e ao Judiciário. O documento foi apresentado na Comissão de Constituição e Justiça da Casa, primeiro passo da tramitação.
Logo ao desembarcar na Câmara, ele foi recebido por deputados aliados de Temer e pelo tucano Paulo Abi-Ackel (MG), autor do relatório favorável ao presidente durante a tramitação da primeira denúncia.
"O senhor vai dar um show, vai honrar a política mineira", disse Abi-Ackel a Andrada na entrada da Câmara.
Essa é a segunda denúncia feita pela Procuradoria-Geral da República contra Temer, que é acusado de chefiar uma quadrilha que desviou quase R$ 600 milhões de vários órgãos públicos, além de tentar obstruir as investigações.
Na primeira, em que era acusado de corrupção passiva, a Câmara também barrou a tramitação, em agosto, por 263 votos a 227.
Pela Constituição, é preciso o voto de pelo menos 342 dos 513 deputados para que o Supremo Tribunal Federal seja autorizado a analisar o caso. Se isso não ocorrer, a denúncia é congelada até o fim do mandato de Temer, em dezembro do ano que vem.
CAMORRA
No início a leitura do seu voto, Andrada não citou as acusações especificamente, mas fez fortes críticas ao Ministério Público, afirmando que ele "comanda" a Polícia Federal, "mancomunado com o Judiciário", causando um desequilíbrio entre os Poderes e se tornando um "novo poder".
Para o tucano, o Judiciário, o Ministério Público e a Polícia Federal têm tido um poder exacerbado, eivado de abusos, em detrimento do Legislativo e do Executivo.
"A Polícia Federal, atuando à mercê do Ministério Público, compactuada com setores do Judiciário, às vezes tomando posições exageradas e mesmo exóticas, chega ao ponto de fiscalizar a Presidência da República, seus ministros de Estado e outros órgãos de destaque institucional. (...) A Presidência da República e os ministérios ficam bem enfraquecidos e fragilizados institucionalmente nas respectivas competências. Basta verificar que nestes autos a Presidência não é tratada com a devida reverência que o cargo requer."
Para o relator, juízes, procuradores e policiais federais usam desse poder para vilipendiar a imagem de investigados.
"Não é possível que alguns juízes permitam e venham a apoiar o Ministério Público e a Polícia Federal para que, em público, atinjam cidadãos, já arrasados pelas decisões judiciais e os exponham a uma situação de envergonhamento público, com reflexos não só no futuro dos mesmos, como também de seus familiares, de uma forma tão exagerada e escandalosa."
Ao se referir à acusação em si, o tucano diz que o ex-chefe do Ministério Público Rodrigo Janot tentou descrever Temer como o "capo [chefe da máfia], o dirigente da Cosa Nostra, da Camorra [organizações criminosas italianas]". Mas, segundo Andrada, as acusações são vagas e não encontram respaldo na jurisprudência.
Assim como na ocasião da primeira denúncia contra Temer, Andrada condenou o fato de Joesley Batista ter gravado o presidente em uma conversano porão do Palácio do Jaburu. "Não é justo aceitarmos que um homem, aproveitando-se de seu destaque na vida econômica do país, use de amizades de terceiros para chegar ao presidente da República, com a finalidade de incentivar afirmações comprometedoras, para gravá-las e depois obter vantagens com esta atitude criminosa contra o mais alto mandatário do país. Este fato, sim, deveria resultar em um processo criminal contra este delator."
Ao fim, o relator acusou o Ministério Público de tentar criminalizar a política e afirmou que eventual afastamento de Temer representaria "uma crise de altas proporções para o povo brasileiro e para desenvolvimento de nossas instituições, tudo isso em decorrência de uma denúncia claramente duvidosa."
Após o tucano ler integralmente seu voto, os advogados de Temer, Padilha e Moreira se manifestaram, também com ataques ao Ministério Público. Já houve pedido de vista do parecer, o que empurrará a votação na CCJ para a semana que vem. O governo espera repetir placar similar ao da primeira denúncia, quando um relatório pró-Temer foi aprovado por 41 votos a 24 na comissão.
TROCA-TROCA
A base de Temer realizou nos últimos meses dezenas de trocas na CCJ para assegurar a vitória. A última foi no PSD. Expedito Netto (RO), que votou contra Temer na primeira denúncia, fará uma viagem oficial e será substituído, possivelmente por um governista.
A votação em plenário deve ocorrer na semana do dia 25.
No Planalto, o relatório foi recebido como sendo ainda melhor do que o esperado pelo governo. Segundo auxiliares do presidente, o texto apresentado por Andrada é "consistente, forte e político".
Agora, o governo tenta minimizar a expectativa de que conseguirá menos votos para passar o relatório, afirmando que o resultado se deve a um menor esforço empregado pelo presidente –apesar da maratona de reuniões com parlamentares que têm acontecido nas últimas semanas.
Eles afirmam que na denúncia anterior, pelo fato de o primeiro relatório ser favorável ao prosseguimento, o governo trabalhou mais pela sua rejeição e conseguiu mais votos. Dizem também que no plenário, a diferença de votos não será relevante, apesar da insatisfação demonstrada por setores do centrão, e a sinalização de alguns parlamentares da base de que não votarão com o governo.
Assim como na primeira denúncia, Temer tem recebido uma romaria de deputados no Palácio do Planalto com o objetivo de angariar votos contra a acusação. As moedas de troca usadas nesses casos são a liberação de verbas para obras apadrinhadas pelos parlamentares, nomeação de aliados em cargos federais e atendimento de outras demandas na máquina pública federal.
Entre os apoiadores do presidente presentes à sessão da CCJ está o deputado Paulo Maluf (PP-SP), cuja condenação por lavagem de dinheiro foi confirmada nesta terça pela Primeira Turma do STF (Supremo Tribunal Federal).
O deputado afirmou que a Câmara tem que apoiar o Palácio do Planalto independentemente do que "aponta o Ibope ou o Datafolha", cujas últimas pesquisas apontam reprovação popular recorde de Temer.
No lado de fora da comissão, a oposição montou três painéis com a inscrição "Investigar Temer", "Em cima do Muro" e "Livrar Temer". Só o primeiro tinha fotos de deputados nesta terça.
"Este relatório é um libelo contra qualquer investigação de possíveis crimes cometidos por partidos e políticos, chapa branca ilimitada", afirmou o deputado Ivan Valente (PSOL-SP).
SEGUNDO ROUND
Veja o passo a passo, na Câmara, da segunda denúncia contra o presidente da República
A ACUSAÇÃO
A Procuradoria-Geral da República diz que Michel Temer praticou os crimes de obstrução da Justiça e participação em organização criminosa que teria recebido ao menos R$ 587 milhões de propina.
O QUE A CÂMARA ANALISA
Pela Constituição, cabem aos deputados autorizar o Supremo Tribunal Federal a analisar a denúncia, com o voto de pelo menos 342 de seus 513 integrantes. Caso isso não ocorra, o caso fica congelado até o fim do mandato de Temer, em 31 de dezembro de 2018.
ALVOS
Temer e dois de seus ministros, Eliseu Padilha (Casa Civil) e Moreira Franco (Secretaria-Geral)
TRAMITAÇÃO
26.set.
Plenário da Câmara leu a denúncia
27.set.
Temer e seus ministros foram notificados
10.out.
Relator do caso, Bonifácio de Andrada (PSDB-MG) dá parecer favorável ao arquivamento da denúncia.
17 ou 18.out.
CCJ vota o parecer
24 ou 25.out.
Plenário da Câmara vota o parecer da CCJ
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