Passei por essas plácidas colinas
e vi das nuvens, silencioso, o gado
pascer nas solidões esmeraldinas.
Largos rios de corpo sossegado
dormiam sobre a tarde, imensamente,
— e eram sonhos sem fim, de cada lado.
Entre nuvens, colinas e torrente,
uma angústia de amor estremecia
a deserta amplidão na minha frente.
Que vento, que cavalo, que bravia
saudade me arrastava a esse deserto,
me obrigava a adorar o que sofria?
Passei por entre as grotas negras, perto
dos arroios fanados, do cascalho
cujo ouro já foi todo descoberto.
As mesmas salas deram-me agasalho
onde a face brilhou de homens antigos,
iluminada por aflito orvalho.
De coração votado a iguais perigos
vivendo as mesmas dores e esperanças,
a voz ouvi de amigos e inimigos
Vencendo o tempo, fértil em mudanças,
conversei com doçura as mesmas fontes,
e vi serem comuns nossas lembranças.
Da brenha tenebrosa aos curvos montes,
do quebrado almocafre aos anjos de ouro
que o céu sustêm nos longos horizontes,
tudo me fala e entende do tesouro
arrancado a estas Minas enganosas,
com sangue sobre a espada, a cruz e o louro.
Tudo me fala e entendo: escuto as rosas
e os girassóis destes jardins, que um dia
foram terras e areias dolorosas,
por onde o passo da ambição rugia;
por onde se arrastava, esquartejado,
o mártir sem direito de agonia.
Escuto os alicerces que o passado
tingiu de incêndio: a voz dessas ruínas
de muros de ouro em fogo evaporado.
Altas capelas cantam-me divinas
fábulas. Torres, santos e cruzeiros
apontam-me altitudes e neblinas.
Ó pontes sobre os córregos! ó vasta
desolação de ermas, estéreis serras
que o sol frequenta e a ventania gasta!
Armado pó que finge eternidade,
lavra imagens de santos e profetas
cuja voz silenciosa nos persuade.
E recompunha as coisas incompletas:
figuras inocentes, vis, atrozes,
vigários, coronéis, ministros, poetas.
Retrocedem os tempos tão velozes
que ultramarinos árcades pastores
falam de Ninfas e Metamorfoses.
E percebo os suspiros dos amores
quando por esses prados florescentes
se ergueram duros punhos agressores.
Aqui tiniram ferros de correntes;
pisaram por ali tristes cavalos.
E enamorados olhos refulgentes
— parado o coração por escutá-los
prantearam nesse pânico de auroras
densas de brumas e gementes galos.
Isabéis, Dorotéias, Heliodoras,
ao longo desses vales, desses rios,
viram as suas mais douradas horas
em vasto furacão de desvarios
vacilar como em caules de altas velas
cálida luz de trêmulos pavios.
Minha sorte se inclina junto àquelas
vagas sombras da triste madrugada,
fluidos perfis de donas e donzelas.
Tudo em redor é tanta coisa e é nada:
Nise, Anarda, Marília… — quem procuro?
Quem responde a essa póstuma chamada?
Que mensageiro chega, humilde e obscuro?
Que cartas se abrem? Quem reza ou pragueja?
Quem foge? Entre que sombras me aventuro?
Quem soube cada santo em cada igreja?
A memória é também pálida e morta
sobre a qual nosso amor saudoso adeja.
O passado não abre a sua porta
e não pode entender a nossa pena.
Mas, nos campos sem fim que o sonho corta,
vejo uma forma no ar subir serena:
vaga forma, do tempo desprendida.
É a mão do Alferes, que de longe acena.
Eloquência da simples despedida:
“Adeus! que trabalhar vou para todos!…”
(Esse adeus estremece a minha vida.)
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