domingo, 17 de dezembro de 2017

Política dá o tom do cinema no ano que vem

Filmes estrangeiros de Guillermo del Toro, Marvel e Luca Guadagnino, e nacionais de Cacá Diegues e Sérgio Rezende têm tom político intenso

Luiz Carlos Merten / O Estado de S.Paulo

Pode ser que o Globo de Ouro não seja mais um indicativo seguro para as premiações da Academia, como foi no passado, mas o glamour da festa ainda conta pontos em Hollywood. A Forma da Água, de Guillermo Del Toro, cravou seis indicações para o prêmio de drama da Associação dos Correspondentes Estrangeiros, incluindo filme, diretor, roteiro e atriz (Sally Hawkins). Em setembro, o filme do mexicano venceu o Leão de Ouro no Festival de Veneza. Vencerá em janeiro o Globo de Ouro? Terá quantas indicações para o Oscar?

Uma coisa é certa: A Forma da Água se antecipa como um dos grandes lançamentos de 2018. Conta a história de uma garota muda que trabalha na limpeza de um laboratório de segurança máxima. Chega essa estranhíssima criatura anfíbia que os norte-americanos tentam esconder dos soviéticos. Em plena Guerra Fria, as superpotências correm para ver quem envia primeiro um homem à Lua. O ser anfíbio poderá ser cobaia numa disputa que envolve agentes russos infiltrados. Mas há outra leitura possível: a criatura, por quem se apaixona a faxineira, representa os ‘outros’ que o mundo ainda teima em discriminar, 50 anos depois. Embora se passe nos anos 1960, A Forma da Água é totalmente contemporâneo, até porque, em todo o mundo, tem havido uma polarização política e comportamental, mesmo que os conceitos de esquerda e direita pareçam ultrapassados em plena era do liberalismo econômico.

Para a Academia, o filme possui o atrativo extra de ser mexicano o diretor e, nos últimos anos, cineastas como Alfonso Cuarón e Alejandro González Iñárritu colecionaram Oscars por Gravidade, Birdman e O Regresso. Há uma forte oposição da Donald Trump na indústria e talvez esteja aí a oportunidade para uma tomada de posição – embora seja uma fantasia, o subtexto de A Forma da Água não poderia ser mais político. Para permanecer no tema, nenhum filme hollywoodiano fez mais barulho que Mulher Maravilha no ano que se encerra. Muita gente chega a creditar à personagem de Gal Gadot boa parcela do empoderamento feminino que reverteu nas recentes denúncias de abuso e assédio que (ainda) fazem tremer a indústria.

Há expectativa de que outro filme de super-herói possa ter um impacto similar. Em fevereiro, chega às salas Pantera Negra, de Ryan Coogler, a primeira aventura solo de um ‘superhero’ negro do cinemão. Todo mundo se lembra da discussão sobre racismo que movimentou o Oscar no ano passado. Black Panther vai fortalecer o debate? O material que circula na internet promete – como todo filme do Universo Marvel, o longa de Coogler, a quem se devem Fruitvale Station/A Última Parada e Creed, Nascido para Lutar, sinaliza para o futuro distópico, mas com um visual encravado em ancestrais raízes africanas. Também político, mas em outro registro, Me Chame pelo Seu Nome, de Luca Guadagnino – produção do brasileiro Rodrigo Teixeira, no selo RT Features –, já ganhou o Gotham, e esse sim, tem sido sinalizador para o Oscar. Em tempos de conservadorismo, qual a chance da love story entre um garoto e um homem mais velho, num meio cultivado e tolerante? O filme de temática LGBT está bem representado no Globo de Ouro e deve ir para o Oscar. A dúvida – Timothée Chalamet e/ou Armie Hammer serão indicados para melhor ator?

No Brasil, Cacá Diegues sempre sonhou adaptar um poema em 47 versos de Jorge de Lima no livro A Túnica Inconsútil, de 1938. Com George Moura, Cacá desenvolveu a história de O Grande Circo Místico, sobre um século de uma família circense, de 1910 até hoje. Sob o toldo do circo pulsa o Brasil, naturalmente, e Cacá pertence a uma geração de sonhadores – do Cinema Novo – que nunca desistiu de mudar o País. O ano será de eleição. O ex-presidente Lula será candidato? Face a uma possível polarização Lula/Bolsonaro, Sérgio Rezende acaba de filmar e espera lançar O Paciente, sobre a agonia de Tancredo Neves, convencido de que é preciso refletir sobre alternativas menos radicais. Em sua estreia como diretor, Wagner Moura não teme ser radical – ele filma Marighella consciente de que o material é explosivo, e também que a esquerda deve avançar sem medo na eleição. O ano, também no cinema, anuncia-se turbulento.

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