segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Angela Bittencourt: S&P revela trincheira entre economia e política

- Valor Econômico

Não é usual agências reduzirem rating de país em conjunto

Mais do que confirmar a bola cantada há mais de um mês, a agência de rating Standard &Poor's (S&P) revelou, de quinta para sexta, a trincheira que hoje separa a economia da política no Brasil. Se, de um lado, o atraso na aprovação da reforma da Previdência justificou o rebaixamento da nota de crédito do Brasil e engrossou o discurso do ministro da Fazenda Henrique Meirelles que apontou o dedo para o Congresso e indicou o responsável pela demora; de outro, o atraso aliviou os parlamentares que preferem evitar decisões deste calibre em períodos pré-eleitorais, dado o caráter impopular da matéria que altera direitos constitucionais. A Previdência Social está numa seara em que cada cidadão acredita que vale o seu direito. Direitos universais são aqueles que valem apenas para os outros.

O rebaixamento do Brasil pela S&P, que há tempos vinha alertando o governo sobre sua difícil situação fiscal, lembra o quanto é embaraçoso - embora necessário - reconhecer sinais contraditórios que vêm do Executivo e do Legislativo quanto às reformas. Não é tarefa simples convencer observadores estrangeiros e locais de que não há riscos ou baixos riscos quando as autoridades que se comprometem a promover ajustes fiscais severos são dois dos principais postulantes às eleições presidenciais marcadas para outubro.

É evidente que ao próximo presidente muito interessa ter as contas públicas sob um novo regimento - mais rigoroso, mais disciplinado, com maior garantia de solvência. Contudo, se esse mesmo futuro presidente é o responsável em negociar condições para conquistar os votos que vão garantir a aprovação das novas regras, pode não ser irrelevante o risco de que venha a vestir a faixa presidencial tendo assumido compromissos demais, logo de cara a atender, em sua nova e nobre função.

O ministro da Fazenda Henrique Meirelles e o presidente da Câmara deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) insistem que estão 100% focados em tarefas determinadas por cargos a que chegaram orientados, respectivamente, pelo presidente em chefe Michel Temer e pelo voto dos eleitores brasileiros nas eleições legislativas. Contudo, é fato também, que o sucesso das agendas de ambos - sequer aberta no caso da Previdência - deverão abrir atalhos e tornar menos acidentado o terreno de acesso até o Planalto.

Ter cargo no governo ou no parlamento e ser candidato a presidente não é crime. Nos últimos anos motivou, sim, manifestações de claques repetidas como mantras contra o uso da máquina pública. Em algum momento elas tendem a recomeçar. Por ora, não se viu grave incidente.

Depois de reproduzir o que disse a agência S&P sobre o Brasil na quinta-feira, o ministro Henrique Meirelles chamou a imprensa, na sexta, para mais uma entrevista. Foi mais discreto e reconheceu o trabalho do Congresso favorável às reformas.

Nisso teve a colaboração do mercado financeiro que não tomou a revisão da nota do Brasil como um golpe. Primeiro, porque já esperava o rebaixamento em função da dificuldade do país recuperar até aqui um ritmo de expansão sustentável e já ter embarcado no calendário eleitoral. Segundo, dada a complexidade da reforma previdenciária quando contemplada nesse mesmo calendário. Em poucos meses, um novo governo estará comandando o país e a composição das forças políticas será rebalanceada nas urnas.

Não há, contudo, condições de antecipar cenários mais factíveis ou desfechos mais prováveis, quando a agenda jurídica reserva para logo mais - próximo dia 24 - o julgamento do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pelo Tribunal Regional Federal da 4ª Região (TRF-4), de Porto Alegre, Rio Grande do Sul (RS), que poderá ou não confirmar a condenação de 9 anos e seis meses de prisão decretada pelo juiz federal Sergio Moro, em 1ª instância, pelos crimes de corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá, recebido da empreiteira OAS como pagamento de propina por favorecimentos em contratos em obras públicas.

No sábado, Rodrigo Maia embarcou para Nova York. Na visita oficial vai se encontrar com parlamentares, oficiais da ONU, investidores e visitará também o México. Retorna na sexta.

Depois do rebaixamento da nota do Brasil pela S&P, na quinta, e do alinhamento dos ratings de empresas brasileiras e governos estaduais e municipais à classificação soberana pela agência, como de praxe acontece, na sexta, os deputados brasileiros se apressaram para avaliar a proposta da reforma previdenciária para votá-la em 19 de fevereiro. Parte dos analistas de mercado avalia, porém, que é mais provável que sua votação fique para 2019, com o Brasil já sob nova gestão.

A expectativa de que as agências Moody's e Fitch Ratings rebaixem a toque de caixa as notas do Brasil pode não se confirmar. "Usualmente", diz um especialista no tema, " as agências não tomam decisões em conjunto, a menos que a situação econômica do país em questão ou dos países entre em debacle. Isso aconteceu na Grécia, na Itália e na Islândia no pós 2008".

À coluna, especialista do governo brasileiro que prefere não ser identificado chama atenção para quanto tempo levou depois que a S&P retirou o 'grau de investimento' que havia concedido em 2008 ao Brasil até que as outras agências viessem a rebaixar o país.

"Acredito que, neste momento, Moody's e Fitch venham a esperar o início do ano legislativo e, eventualmente, a inclusão da reforma da Previdência na pauta de votação da Câmara dos Deputados, onde a aprovação da matéria depende de 308 votos em dois turnos para seguir ao Senado, para mais dois turnos."

Embora considere improvável, o interlocutor da coluna considera que se uma das duas agências se mover antes de a reforma estar pautada para votação, isso deve ocorrer se os ativos reagirem, ainda que tardiamente, à ação da S&P.

"O cenário mais provável que as agências devem ter no horizonte é a aprovação da idade mínima para a voltar a crescer de fato 3,5% a 4%, o emprego voltar e a arrecadação ainda mais, haverá estímulo a não fazer nada mesmo e a deixar para o próximo governo o ônus de adotar as medidas fiscais necessárias. E o quadro fiscal iria parar de se deteriorar até a próxima recessão...", lamenta o especialista que não duvida desse cenário.

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