segunda-feira, 15 de janeiro de 2018

Ricardo Noblat: O risco de uma crise contratada

Blog do Noblat/Veja

Lula repete o comportamento de Dilma – com uma diferença. É mais agressivo do que ela na contestação ao devido processo legal

O advogado Cristiano Zanin Martins, que defende Lula em processos da Operação Lava Jato, diz esperar “um julgamento isento” quando o Tribunal Regional Federal da 4ª Região, em Porto Alegre, reunir-se no próximo dia 24 para decidir sobre o caso do tríplex do ex-presidente na praia do Guarujá.

A senadora Gleisi Hoffmann, presidente do PT, diz que “a única solução possível” para o julgamento “do ponto de vista legal é a absolvição”. Uma sentença condenatória simplesmente “não será uma sentença justa”, segundo ela. E por tabela, não deveria ser respeitada por ninguém.

“Se eles fizerem uma coisa dessas, existe a possibilidade de uma rebelião popular”, dispara o senador Lindberg Farias (PT-RJ). Afirma Tarso Genro (PT-RS), ex-ministro da Justiça: “Lula tem a obrigação de submeter-se à soberania popular e contestar as acusações que lhe são feitas”.

Ou seja: “um julgamento isento” e a única solução possível “do ponto de vista legal” seriam aqueles que resultassem na absolvição do ex-presidente. Do contrário, Lula terá a obrigação de disputar as próximas eleições mesmo impedido pela Justiça. E o país correrá o risco de ser palco “de uma rebelião popular”.

Estamos entendidos? Legal e justo para o PT é somente o que o PT aceita como legal e justo – dane-se a Justiça, dane-se o que está escrito nas leis, dane-se o bom senso, e dane-se o que no passado recente disse ou praticou o próprio PT. Ou vai ou racha. Condene-se Lula para ver só uma coisa! (Isso pode, Arnaldo?)

“É preciso derrotar o golpe em todas as suas manifestações e a ofensiva reacionária de parte do Judiciário é uma delas”, conclama nota oficial do PSOL divulgada no último sábado. Curioso! A ser um golpe a possível condenação de Lula, o PT e o ex-presidente não deveriam ter participado dele. Deveriam apenas tê-lo denunciado.

Mas participaram, sim, e continuarão participando até ficarem roucos de tanto gritar que é um golpe, até se resignarem a concorrer às eleições deste ano com outro nome na impossibilidade de Lula ser candidato. Nessa hipótese, o nome seria o do ex-ministro e ex-governador da Bahia Jaques Wagner.

Dilma reconheceu a legitimidade do processo de impeachment ao se defender das acusações em todas as instâncias da Justiça, ao comparecer ao Congresso para ser interrogada pelos senadores, e, por fim, ao se beneficiar do ato criminoso do Senado – esse, sim, um golpe – que preservou seus direitos políticos.

A Constituição manda que, uma vez cassada, a pessoa perca o direito de se candidatar e de exercer cargos públicos por oito anos. Sabe muito bem disso o ministro Ricardo Lewandowisk, que comandou a fase final do processo de impeachment na condição de presidente do Supremo Tribunal Federal. Ou sabia e esqueceu.

Lula repete o comportamento de Dilma – com uma diferença. É mais agressivo do que ela na contestação ao devido processo legal. Não perde uma única oportunidade de avacalhar a Justiça. E como é popular e Dilma nunca foi, vale-se de sua força eleitoral para atrair parte do povo em sua defesa.

Foi uma parte minúscula do povo que atendeu ao convite e que participou dos comícios de Lula promovidos ao arrepio da lei nos últimos meses. Mas nada impede que essa parte possa crescer a depender da consistência, ou da falta dela, do juízo a ser conhecido dentro de nove dias. Haverá dias turbulentos pela frente. Ou meses.

Cabe a Justiça ser rápida para condenar ou absolver Lula. Do contrário teremos uma crise inédita e contratada desde já: a de um ex-presidente, líder nas pesquisas de intenção de voto, impedido de disputar eleições às vésperas das próximas. Ou pior: em meio a uma campanha oficialmente em curso. Seria o pior dos mundos.

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